1. NOÇÕES GERAIS
O tema que nos propomos abordar nesta Conferência consiste na análise crítica, na vertente fiscal, das despesas de saúde e educação em sede de acordos sobre pensão de alimentos.
O poder paternal compreende a obrigação de prestar alimentos (cfr.artºs.1874, nº.2, e 1878, nº.1, do C.Civil).
A obrigação geral e legal de alimentos, que pretende assegurar um nível de vida minimamente digno ao alimentando, decorre do comando constitucional que reconhece o direito à vida e o direito a viver com dignidade ou a dispor de condições de subsistência minimamente dignas (cfr.artº.24, nº.1, da Constituição da República Portuguesa – C.R.P.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.446 e seg.).
É inerente às responsabilidades parentais o dever de prover ao sustento do filho menor, o que, além de constituir imperativo constitucional por força do que dispõe o artº. 36, nº.5,([1])da C.R.P., normativo da lei fundamental que consagra o princípio constitucional da atribuição aos pais do poder/dever de educação dos filhos (cfr.artº.27, nº.2, da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº.20/90, de 12/9/1990, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº.49/90, de 12/9/1990; Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 2ª. edição, Coimbra Editora, 2001, I volume, pág.148 e seg.), decorre também da lei civil, atento o disposto nos artºs.1878, nº.1, e 2009, nº.1, al.c), ambos do C.Civil.
A natureza constitucional da obrigação de prestação de alimentos encontra expressão ordinária, quer ao nível da citada tutela cível (artºs.1878, nº.1, e 2009, nº.1, al.c), ambos do C.Civil), quer ao nível da tutela penal, pois a violação do cumprimento daquela obrigação, em certas circunstâncias, tipifica um tipo legal de crime previsto no artº.250, do C.Penal.([2])
Deste modo, o conceito de alimentos é normativo e tem a amplitude estabelecida no artº.2003, do C.Civil, devendo o vocábulo “sustento” ser entendido em sentido amplo de modo a abranger tudo o que seja necessário à satisfação de todas as necessidades da vida quotidiana do menor. Os alimentos devem visualizar-se como obrigações de prestação de coisa ou de facto, que visam satisfazer o sustento, a habitação, o vestuário e bem assim, se o alimentando for menor, a sua instrução e educação (cfr.J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos, Coimbra Editora, 2000, pág.30 e seg.).
No conceito de alimentos, integram-se não só os deveres de carácter patrimonial (alimentação, habitação, vestuário), mas também os de natureza pessoal (educação, assistência, convívio).
A obrigação de alimentos a menor tem a sua génese numa específica relação familiar que é a relação de filiação biológica (ou a adopção) e, pese embora, fundar-se também na solidariedade familiar, deriva, essencialmente, do dever dos pais sustentarem os filhos menores e, em certas circunstâncias, com iremos ver, os maiores também. Vigorando as responsabilidades parentais o dever de alimentos impende sobre os pais, nos termos dos artºs.1878, 1880 e 1885, todos do C.Civil.
A obrigação de alimentos legal é de interesse e ordem pública, de carácter indisponível, irrenunciável, impenhorável, não susceptível de compensação, imprescritível e tem natureza “intuitu personae” (cfr.artºs.298, nº.1, e 2008, do C.Civil).
Por sua vez, o credor de alimentos goza de hipoteca legal sobre os bens do devedor obrigado, nos termos do artº.705, al.d), do C.Civil, e o crédito de alimentos, relativo aos últimos seis meses, goza ainda de privilégio mobiliário geral, de acordo com o preceituado no artº.737, nº.1, al.c), do mesmo diploma.
Acresce, que a obrigação de contribuir para o sustento, saúde, manutenção, educação e segurança dos filhos, não se reduz necessariamente no conceito de poderes-deveres parentais, uma vez que, mesmo no caso de inibição ou restrição do exercício das responsabilidade parentais, os progenitores continuam obrigados a prestar alimentos aos filhos menores (cfr.artº.1917, do C.Civil).
Na constância da vida conjugal, a obrigação de alimentos dilui-se no conteúdo das responsabilidades parentais([3]) e no dever de assistência, sendo que, segundo este, cada um dos cônjuges deve contribuir, recíproca e proporcionalmente, para os encargos da vida familiar (cfr.artºs.1675, nº.1, e 1676, nº.1, do C.Civil; Antunes Varela, Direito da Família, Livraria Petrony, 1987, pág.337 e seg.).
Durante o casamento, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os cônjuges, o que significa que os pais exercem as responsabilidades parentais, em regra, de comum acordo (cfr.artº.1901, nºs.1 e 2, do C.Civil).
O mesmo acontece na situação em que há filiação estabelecida em relação a ambos os progenitores que vivam em condições análogas às dos cônjuges (cfr.artº.1911, nº.1, do C.Civil) e, ainda, nos casos em que há filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores que não vivam em condições análogas às do cônjuges, mas que exerçam de comum acordo as responsabilidades parentais (cfr.artº.1912, nº.2, do C.Civil).
Já perante uma situação de dissociação familiar e independentemente do tipo de união anterior entre os progenitores, o exercício conjunto([4]) das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida do filho, constitui o regime regra previsto nos artºs.1901, 1906, nº.1, 1911 e 1912, todos do C.Civil.
Da regulação das responsabilidades parentais e da consequente obrigação de alimentos a menores, só podemos falar, em bom rigor, quando esteja estabelecida a filiação biológica, ou a adopção, e tenha ocorrido o divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, separação de facto, dissolução da união de facto dos progenitores ou, ainda, quando há filiação estabelecida quanto a ambos progenitores que não vivam em condições análogas às dos cônjuges e não exerçam em comum as responsabilidades parentais, sendo que, nestes casos as responsabilidades parentais podem ser reguladas por duas formas.
A primeira consiste no acordo de ambos os progenitores sujeito a homologação pelo Tribunal. Para que o acordo dos progenitores, quanto ao exercício das responsabilidades parentais, seja homologado pelo Tribunal é necessário que o mesmo defenda e acautele os interesses do menor. Nesta concomitância, tal acordo deve prever não só o “quantum” dos alimentos devidos ao menor e a forma de os prestar – se um acordo não previr qualquer referência à prestação alimentar a dar pelo progenitor não guardião não deve ser homologado – mas também fixar o modo de exercício das responsabilidades parentais, fixar a residência do menor ou guarda, alternada ou conjunta, o regime de visitas, o regime das férias escolares e épocas festivas e a administração do seu património, se for o caso, tudo conforme prevê o artº.34, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível([5]).
Frustradas as tentativas de regulação do exercício das responsabilidades parentais por acordo, solução desejável sob todos os pontos de vista, ter-se-á de proceder à regulação das responsabilidades parentais (nomeadamente, no que se refere à fixação dos alimentos devidos a menores) através do recurso à acção judicial prevista nos artºs.45 e seguintes do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sendo esta a segunda forma de regular o exercício das responsabilidades parentais.
Relativamente à medida dos alimentos, dispõe o artº.2004, nº.1, do C.Civil, que os alimentos serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. Quando os progenitores (aqueles que não ficam com a guarda do menor) não cumprem a sua função voluntariamente, cabe aos Tribunais fixar o “quantum” de alimentos a pagar. Sendo que, este quantitativo há-de ter em conta todos os critérios legais, decorrentes dos artºs.2003 e seguintes do C.Civil, como sejam as necessidades do menor, as possibilidades deste de prover à sua subsistência e as capacidades dos pais – ambos os pais. A prestação de alimentos constitui, simultaneamente, uma obrigação do progenitor e um direito subjectivo do filho menor, com vista à sua manutenção e desenvolvimento, pelo que a determinação do seu quantitativo deve ser de molde a assegurar o indispensável à subsistência do menor, sendo este um imperativo ético e social inalienável (cfr.Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume V, 1995, pág.580 e seg.)
Na determinação do quantitativo da prestação de alimentos, há que ter em conta não só o custo médio normal e geral da subsistência de qualquer menor, mas também as circunstâncias especiais do concreto menor em causa, designadamente, a sua idade, o sexo, o estado de saúde, o seu nível de vida antes da dissociação familiar, tal como o nível sócio-económico dos próprios pais. O critério dos “meios do obrigado” para fixação da prestação de alimentos, previsto no artº.2004, nº.1, do C.Civil, consiste apenas num dos aspectos a considerar a par das necessidades do alimentando, sendo que tal fixação deve obedecer sempre ao superior interesse do menor.
A fixação de pensão de alimentos a menores pode implicar sacrifícios por parte do progenitor a quem aquele não foi confiado, visto que, se este concebeu o filho está obrigado legalmente ao seu sustento e manutenção (cfr.J. P. Remédio Marques, ob.cit., pág.179 e seg.).
Por último, refira-se que o princípio constitucional da igualdade jurídica dos progenitores (cfr.artº.36, nº.3, da C.R.P.), criou a obrigação de ambos contribuírem para o sustento dos filhos, proporcionalmente aos seus rendimentos e proventos, pelo que, as contribuições dos progenitores para os alimentos dos filhos menores não têm, necessariamente, de ser iguais, antes dependem dos meios e possibilidades de cada um([6]).
Ainda de acordo com a lei civil, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional manter-se-á a obrigação de alimentos na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete (cfr.artº.1880, do C.Civil).
Dado que os pais são responsáveis, como se aludiu, pelo crescimento e desenvolvimento dos filhos, velando pela sua educação (cfr.artº.1878, nº.1, do C.Civil), bem se compreende que a obrigação de alimentos não deva extinguir-se, de modo abrupto, quando os filhos completam 18 anos, para mais quando se verificou o abaixamento da idade em que se atingiu a maioridade (cfr.artº.130, do C.Civil, na redacção resultante do dec.lei 496/77, de 25/11; anteriormente a maioridade atingia-se aos 21 anos; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, 3ª. Edição, 1982, pág.141) e se alargou o período de escolaridade. Com base nestes pressupostos, pode prolongar-se para além do termo da menoridade a obrigação de alimentos, por forma a que o filho complete a sua formação profissional e desde que seja razoável exigir dos pais a continuação dessas despesas. Os pressupostos da atribuição/reconhecimento deste direito a alimentos podem revestir carácter objectivo e subjectivo, de forma a densificar a cláusula de razoabilidade consagrada no citado artº.1880, do C.Civil (v.g.possibilidades económicas do jovem maior; recursos dos progenitores; aproveitamento escolar do jovem maior; etc.; J. P. Remédio Marques, ob.cit., pág.257 e seg.).
2. VERTENTE FISCAL
Não definindo a lei tributária o conceito de pensão de alimentos, deve valer aqui a noção civilística acima escalpelizada, tudo conforme se retira das regras de interpretação das normas fiscais, quando se empreguem termos próprios de outros ramos de direito (cfr.artº.11, nº.2, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/10/2012, proc.5803/12; José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.473).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier de Basto, ob.cit., pág.379).
A tributação do rendimento das pessoas singulares há-de, de acordo com a Constituição (cfr.artºs.67, nº.2, al.f), e 104, nº.1, da C.R.P.), fazer-se através de um imposto único, progressivo e que faça relevar os rendimentos e as despesas e encargos da unidade tributária que constitui o agregado familiar (pessoalidade do imposto), para este efeito formado por cônjuges/unidos de facto e dependentes (cfr.artº.13, nº.4, doC.I.R.S.; Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, Teoria Geral, Almedina, 2006, pág.144 e seg.).
A consagração do agregado familiar, enquanto unidade tributária, dá conta da opção do legislador tomada a favor da tributação conjunta dos cônjuges/unidos de facto e dos restantes elementos do mesmo agregado familiar, em desfavor da tributação separada de cada um dos indivíduos titulares de rendimentos, apesar da tributação separada ter sido instituída como regra com a reforma do I.R.S. operada pela Lei 82-E/2014, de 31/12, a qual entrou em vigor em 2015 (cfr.artºs.13, nº.2, e 59, nº.1, do C.I.R.S., na versão da citada Lei 82-E/2014, de 31/12).
Para o mencionado ano de 2015, podem ser deduzidos à colecta([7]) do I.R.S. os valores suportados por qualquer membro do agregado familiar a título de despesas de saúde que respeitem a prestações de serviços e aquisições de bens isentas de I.V.A. ou tributadas à taxa reduzida, bem como despesas de saúde tributadas à taxa normal, desde que justificadas por receita médica. Podem ainda ser deduzidos, a título de despesas de saúde, os prémios de seguros de saúde ou contribuições pagas a associações mutualistas ou a instituições sem fins lucrativos que tenham por objeto a prestação de cuidados de saúde que, em qualquer dos casos, cubram exclusivamente os riscos de saúde relativamente aos elementos do agregado familiar (cfr.artºs.78, nº.1, al.c), e 78-C, do C.I.R.S.).
Esta dedução à colecta tem como termo um montante correspondente a 15 % do valor suportado a título de despesas de saúde por qualquer membro do agregado familiar, mais sendo o limite global monetário de € 1.000,00 (cfr.artº.78-C, nº.1, do C.I.R.S.).
No que se refere a despesas de educação e formação a dedução à colecta do I.R.S. abrange os valores suportados por qualquer membro do agregado familiar que respeitem a prestações de serviços e aquisições de bens (isentas de I.V.A. ou tributadas à taxa reduzida) nos seguintes sectores de actividade (cfr.artºs.78, nº.1, al.d) e 78-D, do C.I.R.S.):
1) Secção P, classe 85 – Educação;
2) Secção G, classe 47610 – Comércio a retalho de livros, em estabelecimentos especializados;
3) secção G, classe 88910 – actividades de cuidados para crianças, sem alojamento (v.g.despesas com creches e jardins de infância);
4) despesas de educação constantes de facturas ou facturas-recibo emitidas pelos seguintes profissionais (previstos no artº.151, do C.I.R.S., preceito que remete para a tabela de actividades económicas aprovada pela portaria 1011/2001, de 21/8) e que são válidas para efeitos das deduções à coleta:
a. 8010 Explicadores;
b. 8011 Formadores;
c. 8012 Professores;
Esta dedução à colecta tem como termo um montante correspondente a 30% do valor suportado a título de despesas de formação e educação por qualquer membro do agregado familiar, com o limite global de € 800,00 (cfr.artºs.78, nº.1, al.d) e 78-D, nº.1, do C.I.R.S.).
Passamos, agora, ao exame do enquadramento fiscal, em sede de I.R.S., para os progenitores divorciados, separados judicialmente de pessoas e bens, separados de facto ou com dissolução da união de facto, no que se refere à pensão de alimentos e à dedução de despesas de saúde e de educação e formação. Em particular que obrigações cabem a quem recebe a pensão e, em simultâneo, que direitos assistem ao sujeito passivo que cumpre a obrigação do pagamento da pensão.
No âmbito fiscal terá sempre de se atender ao que foi acordado judicialmente ou homologado nos termos da lei civil.
Face ao disposto nos artºs.78, nº.1, al.f), e 83-A, do C.I.R.S., são dedutíveis à colecta do I.R.S. 20% dos montantes comprovadamente suportados e não reembolsados relativos a pensões de alimentos devidas por quem as paga.
Quem puder beneficiar do abatimento da pensão de alimentos, além do título que comprove a fonte da obrigação, sentença ou acordo, deverá comprovar o pagamento efectivo das prestações devidas o que, em regra, é feito mediante recibo de quitação emitido em nome dos titulares do respectivo direito (menor e rogenitor que tem a sua guarda).
Para que os montantes pagos sejam relevantes são impostos três requisitos:
1-Que se trate de despesas comprovadamente suportadas e não reembolsadas respeitantes aos encargos com pensões de alimentos a que o sujeito passivo esteja obrigado por sentença judicial ou por acordo homologado nos termos da lei civil, conforme já mencionado;
2-Que o beneficiário da pensão não integre o agregado familiar do obrigado à pensão;
3-Que relativamente ao beneficiário da pensão não estejam previstas, na esfera do obrigado à prestação, outras deduções à colecta nos termos do artº.78, do C.I.R.S., como por exemplo, despesas de saúde e educação (cfr.artº.83-A, do C.I.R.S.).
As pensões de alimentos, por norma, têm duas componentes:
1-Montantes pecuniários estipulados;
2-Comparticipação no pagamento de despesas de saúde, educação, etc.
Numa situação de guarda conjunta, em que os menores dependentes ficam a cargo de ambos os pais, a generalidade das deduções à coleta são feitas em 50% por cada um dos progenitores. Por outro lado, neste caso de guarda partilhada, não existe, para efeitos fiscais, valor de pensão de alimentos, uma vez que ambos os progenitores dividem as responsabilidades e despesas. As facturas das despesas de saúde, educação, etc., devem conter a identificação dos dependentes beneficiários das despesas e não a identificação dos progenitores.
Já numa situação de guarda única, os dependentes filhos de pais divorciados ou separados (e ainda os progenitores não casados que não partilhem a guarda conjunta dos filhos) só podem fazer parte de um agregado familiar. Quem tem o poder paternal pode deduzir à colecta as despesas de saúde e de educação dos filhos dependentes, desde que as mesmas estejam devidamente identificadas na factura/recibo correspondente. Estes dependentes devem ser reconhecidos como tal na declaração modelo 3 do I.R.S., pelo progenitor que tem a guarda do menor.
No caso do progenitor que não tem a custódia do filho, apenas poderá beneficiar da dedução à colecta das importâncias respeitantes a pensões de alimentos decretadas por sentença judicial ou resultantes de acordo homologado nos termos civis.
A título de exemplo, pressupondo que o filho dependente está sob guarda da mãe e o pai paga em dinheiro € 2.000,00 e despesas com o colégio do filho no valor de € 400,00 (valor total de € 2.400,00 fixado em pensão de alimentos definida por uma sentença judicial).
1ª. hipótese – O pai paga directamente o colégio (€ 400,00) e o valor da pensão (€ 2.000,00) é entregue à mãe.
Neste caso o pai poderá deduzir o valor despendido a título de pensão de alimentos (€ 2.400,00), valor este constituído pelo montante pago em dinheiro adicionado da despesa incorrida com o colégio do filho. Ou seja, o pai pode deduzir os montantes que lhe competem a si pagar, não como despesas de educação, mas sim como pensão de alimentos. Por sua vez, a mãe deve passar uma declaração ao ex-cônjuge relativamente à pensão de alimentos recebida e declarar no seu Mod. 3 o valor recebido € 2.000,00 pelo qual será tributada.
2ª. hipótese – A mãe paga o colégio (€ 400,00) e depois é reembolsada pelo pai, ou seja, recebe do mesmo o total de € 2.400,00.
Enquanto neste caso o pai continuará a poder deduzir € 2.400,00, a título de pensão de alimentos, a mãe será tributada pelo valor de € 2.400,00, valor que recebeu do ex-cônjuge, podendo declarar como despesas de educação o valor de € 400,00. No entanto, este valor representa uma dedução de € 120,00 ao valor da colecta apurada (30% do valor pago ao colégio que é o limite previsto para as despesas de educação). A diferença entre ambos cenários é que embora num deles não haja dedução na colecta do valor pago ao colégio o rendimento declarado é maior o que resultará numa taxa de tributação superior.
Passemos aos casos em que os filhos atingem a maioridade. Nestes a pensão de alimentos só pode ser abatida ao rendimento ou deduzida à colecta do progenitor caso o beneficiário da mesma (filho) cumpra dois requisitos cumulativamente (cfr.artºs.13, nº.5, al.b), e 83-A, nº.2, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc.8315/14):
1-Não ter mais de 25 anos;
2-Não auferir anualmente rendimentos superiores à remuneração mínima mensal garantida.
Também neste caso, é necessário que a obrigação de pagamento da pensão de alimentos decorra de sentença judicial ou acordo homologado nos termos da lei civil, já fora do processo de regulação do exercício do poder paternal, pelo que deverá o maior dependente requerer a prestação de alimentos ao progenitor num novo processo judicial (cfr.artº.1880, do C.Civil; processo especial previsto no artº.989, do C.P.Civil, normativo alterado pela recente Lei 122/2015, de 1/9).
3. ANÁLISE CRÍTICA
Recuperamos aqui as características constitucionais da tributação do rendimento das pessoas singulares (cfr.artºs.67, nº.2, al.f), e 104, nº.1, da C.R.P.), supra identificadas, a unidade, progressividade e pessoalidade do I.R.S., características estas que constituem instrumentos activos escolhidos pelo legislador constitucional para alcançar a sua concepção de igualdade tributária, aqui sob a forma de diminuição das desigualdades (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 4ª. Edição, Almedina, 2006, pág.158 e seg.).
Especificamente, da pessoalidade do I.R.S. decorre a obrigação de que a tributação resulte, não apenas do rendimento auferido, mas também de diferentes aspectos da esfera pessoal de cada um, designadamente, aspectos de natureza familiar ou de estado civil do sujeito passivo, falando a doutrina na existência de uma discriminação fiscal positiva em favor da família (cfr.Américo Fernando Brás Carlos, ob.cit., pág.115 e seg.; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., I volume, pág.859).
Entroncam estas considerações na referência constitucional da necessidade do legislador ordinário levar em consideração os rendimentos do agregado familiar. Ora, pondo de lado a polémica relativa à fórmula de tributação, separada ou conjunta (cfr.artºs.13, nº.2, e 59, nº.1, do C.I.R.S., na versão da citada Lei 82-E/2014, de 31/12), consideramos de relevar a questão do quociente familiar, o qual vai incidir sobre o rendimento colectável, apurado depois de efectuadas as deduções específicas([8]).
Este quociente familiar foi introduzido no I.R.S. com a mencionada reforma operada pela Lei 82-E/2014, de 31/12 (cfr.artº.69, do C.I.R.S.), o qual atribui a cada filho um determinado coeficiente (aliás, baixo: apenas 0,3%) na determinação do rendimento colectável da família.
Com a publicação do O.E. de 2016 (Lei 7-A/2016, de 30/3), o citado mecanismo do quociente familiar voltou a desaparecer do C.I.R.S., sendo substituído pelo mecanismo da dedução à colecta de um montante fixo por cada dependente existente no agregado familiar (€600,00 – cfr.artº.78-A, nº.1, do C.I.R.S.).
A opção por uma das soluções identificadas cai no âmbito da filosofia política.
Num caso (quociente familiar) o rendimento é considerado em função do agregado familiar e protegido na sua formação, solução que se nos afigura mais de acordo com os princípios constitucionais vigentes na tributação do rendimento das pessoas singulares e supra identificados. Por sua vez, a solução de dedução à colecta de um montante fixo por cada dependente, a qual fica conexa com o arbítrio da aprovação de cada orçamento de estado, não nos parece proteger da forma constitucionalmente devida o agregado familiar, núcleo central de qualquer sociedade.
Abordemos, agora, outro tema polémico resultante da última reforma do I.R.S.
As novas regras de dedução de despesas com as refeições e com o transporte escolar, que entraram em vigor em 2015 e que agora se aplicam pelaprimeira vez no I.R.S., são discriminatórias para as famílias (posição tomada pelo Provedor de Justiça em ofício enviado ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e a que faz referência a Agência Lusa no pretérito dia 4 de Maio de 2016).
Em causa estão os custos com refeições e transportes escolares e a possibilidade de os mesmos serem ou não deduzidos ao I.R.S., como despesas de educação. Isto porque, com a reforma do I.R.S. e conforme mencionado supra, a A. Fiscal passou a aceitar apenas como dedução de despesas de educação as que tenham I.V.A. à taxa reduzida ou estejam isentas e aquelas cujas facturas sejam emitidas por entidades que tenham o CAE (Código de Actividade Económica) da área da educação.
Ora, há estabelecimentos de ensino público onde as refeições escolares são processadas por empresas externas, ainda que contratadas pela autarquia. São essas empresas que, nas escolas, facturam os valores das refeições directamente com os pais e, quando o fazem, o CAE que vai na factura é o do sector de restauração e o I.V.A.
liquidado é à taxa de 23%. Essas facturas são depois comunicadas mensalmente ao Fisco e aparecem nas páginas do e-factura dos pais ou dos alunos – dependendo
do número de contribuinte que foi fornecido, mas não são aceites como despesas de educação.
Já em relação às escolas privadas, a questão não se coloca, visto que as mensalidades incluem, normalmente, todos os custos relacionados com cada criança – aulas, refeições, o transporte, se for o caso, material escolar ou actividades extracurriculares, como ginástica ou música, entre outros. Com tudo incluído na mensalidade e tendo as escolas, como é óbvio, o CAE de educação e I.V.A. à taxa reduzida de 6%, as facturas enviadas para as Finanças (e-factura) são logo incluídas no conjunto das deduções em educação.
O actual Governo diz-se consciente dos constrangimentos gerados pela redacção da norma relativa a despesas de educação, que resulta da revisão do I.R.S. realizada pela citada Lei 82-E/2014, de 31/12 (cfr.artº.78-D, do C.I.R.S.).
Salvo melhor opinião, consideramos que a solução desta discriminação entre famílias deve ser legislativa, ou seja, que implica a alteração do Código do I.R.S. Terminamos aqui a exposição, cientes de que foi este o contributo possível para esta Conferência, até devido às necessárias limitações temporais que nos condicionaram, mais esperando que o tema desenvolvido tenha prendido a atenção dos presentes.
Santarém,
1 de Junho de 2016
O Juiz Desembargador da Secção de Contencioso Tributário do T.C.A. Sul
Joaquim Manuel Charneca Condesso
(comunicação apresentada na V Conferência Internacional “Igualdade Parental Séc. XXI” em Santarém, 2016)
Bibliografia
– Basto, José Guilherme Xavier de, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007.
– Canotilho, J. J. Gomes, e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007.
-Carlos, Américo Fernando Brás, Impostos, Teoria Geral, Almedina, 2006.
– Coelho, Francisco Pereira, e Oliveira, Guilherme de, Curso de Direito da Família, 2ª. edição, Coimbra Editora, 2001.
– Cunha, Paulo de Pitta e, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina,1996.
– Lima, Pires de, e Varela, Antunes, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, 3ª. Edição, 1982.
– Lima, Pires de, e Varela, Antunes, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume V, 1995.
– Marques, J. P. Remédio, Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos, Coimbra Editora, 2000.
– Nabais, José Casalta, Direito Fiscal, 4ª. Edição, Almedina, 2006.
– Sottomayor, Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago, Exercício do poder paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, Universidade Católica Portuguesa Editora, 1995.
– Varela, Antunes, Direito da Família, Livraria Petrony, 1987.
(este texto foi escrito ao abrigo das regras da antiga grafia).
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[1] (“Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”)
[2] (crime semi-público de violação da obrigação de alimentos).
[3] (Com a entrada em vigor da Lei 61/2008, de 31/10, o termo “poder paternal” foi substituído por outro conceito mais expressivo: “responsabilidades parentais”).
[4] (sobre a noção de guarda do menor e destrinça entre a guarda única ou conjunta do mesmo vide, Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor, Exercício do poder paternal relativamente à pessoa do filho após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, Universidade Católica Portuguesa Editora, 1995, pág.15
e seg.).
[5] (aprovado pela Lei 141/2015, de 8/9).
[6] (Se acordada ou fixada judicialmente, a prestação de alimentos não for cumprida voluntariamente pelo obrigado e não o puder ser, neste contexto surge o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, criado pela Lei 75/98, de 19/11, diploma que consagrou um mecanismo de garantia de alimentos devidos a menores a suportar pelo Estado).
[7] (a colecta consiste no montante que resulta da aplicação da taxa de imposto ao rendimento colectável, isto é, o rendimento que existe depois de efectuadas as
deduções específicas aos rendimento total bruto – cfr.artº.78, do C.I.R.S.).
[8] (as deduções específicas consubstanciam abatimentos ao rendimento bruto, das mesmas sendo exemplo os descontos para a segurança social).