Acórdãos TRE | Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | ||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO SERRANO | ||
Descritores: | ALIMENTOS A FILHOS MAIORES RESPONSABILIDADES PARENTAIS MEDIDA DOS ALIMENTOS | ||
Data do Acordão: | 29-01-2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | «Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios» – trata-se da interpretação mais conforme «com o direito à educação, ao ensino e à cultura (arts. 73º a 79º da Constituição), cujos custos deverão ser suportados pelos pais, desde que tenham condições económicas para tal, com a cooperação do Estado» | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 422/13.7T2SNS.E1-1ª (2014) Apelação-1ª (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC) * ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: Na presente acção especial de alimentos a filhos maiores ou emancipados, que corre actualmente termos na Secção de Família e Menores da Instância Central de (…) da Comarca de (…) (depois de iniciado na Comarca do …), instaurada por (…), nascida em 17/4/1995, contra seu pai, (…), vem pela A. interposto recurso de apelação da sentença final proferida em 1ª instância, que julgou parcialmente procedente a acção e condenou «o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos, a quantia de € 100,00 € (cem euros), quantia esta devida desde a data da entrada do requerimento de alimentos na Conservatória do Registo Civil». Na petição inicial invocou a A. encontrar-se em situação de carecer que o seu progenitor contribua para as suas despesas, sendo que este tem condições para cumprir essa obrigação, para o que alegou, essencialmente, o seguinte: no âmbito de processo de regulação do poder paternal, e até à maioridade da A., o R. estava obrigado ao pagamento da quantia mensal de € 200,00, a título de alimentos; a A. passa por graves dificuldades económicas desde que caducou essa pensão de alimentos, estando a sua mãe também em situação económica difícil; a A. frequenta o 12º ano e pretende ingressar no ensino superior, pelo que tem e terá despesas com a sua formação a suportar; a A. tem problemas crónicos e graves de saúde, que a obrigaram já a ser operada a um tumor no cérebro, e carece de assistência clínica e hospitalar periódica; o R. tem vida económica folgada, explorando um estabelecimento de talho e charcutaria e recebendo rendas de prédios de que é proprietário. Em consequência, conclui pedindo, ao abrigo do artº 1880º do C.Civil, a condenação do R. no pagamento à A. da quantia de € 275,00 mensais, a título de alimentos. Na contestação, o R. opôs-se à atribuição à A. de uma pensão de alimentos, com a alegação de que se encontra em situação económica muito precária, auferindo apenas um vencimento mensal de € 431,65, não recebendo quaisquer rendas e estando em incumprimento contratual em relação a várias dívidas. Realizado o julgamento, foi lavrada sentença (a fls. 135-146), nos termos acima referidos, em cuja fundamentação se considerou, designadamente, o seguinte: a obrigação alimentícia em relação a filho maior deve perdurar enquanto se revelar necessária e for razoável exigir dos pais o pagamento dessas despesas; a requerente fez um percurso escolar sem retenções até ao 12º ano, sendo que a repetição de apenas 2 disciplinas desse ano nesse percurso não significará desmotivação ou desinteresse pelos estudos, atenta a sua intenção de ingressar no ensino superior; considerando a situação escolar da requerente, é razoável impor ao pai uma contribuição para as despesas mensais da mesma; a requerente não demonstrou elementos sobre as suas despesas em concreto, pelo que será de atender aos gastos normais de uma jovem na sua idade e situação escolar, levando ainda em conta a sua situação de saúde; o requerido terá tido uma vida de prosperidade (como empresário de fábrica de salsichas e talho), mas agora apresenta-se como trabalhador por conta de outrem, com vencimento de € 485,00, e tem dívidas que está a pagar, mas reside em casa própria, aufere renda de 2 apartamentos, no montante de € 550,00 e é proprietário, pelo menos, de parte de uma casa; não é muito transparente a sua situação profissional, mas mesmo que nos alheemos disso, o certo é que se tivermos em conta o vencimento, as rendas dos 2 apartamentos, não ter de pagar renda de casa e as dívidas não somarem valores relevantes, é de concluir que pode contribuir com uma prestação mensal para a filha de € 100,00 – o que se fixa, por adequado e razoável, sem prejuízo de futura alteração, em função de possíveis alterações na situação da requerente (quanto ao seu percurso escolar futuro ou à entrada no mercado de trabalho, ainda que a tempo parcial) e do requerido. Nas alegações do recurso daquela decisão, e depois de referir que a sua discordância apenas se refere ao montante arbitrado, formulou a A. uma única conclusão: «1. A douta sentença recorrida, atendendo à situação económica da recorrente e do recorrido, ao fixar a pensão mensal de alimentos a favor daquela em apenas € 100,00 mensais, não foi equitativa nem conforme as situações económicas relatadas de ambos, pelo que o montante justo e adequado para aquela pensão será de € 200,00 mensais, pelo que a mesma deve ser revogada/alterada, por violar nomeadamente o disposto nos artigos 1880º e 2004º do Código Civil.» Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC). Do teor das alegações da apelante resulta que a matéria a decidir se resume a aferir da justeza da sentença quanto ao montante da quantia, a título de alimentos, colocada a cargo do R.. Cumpre apreciar e decidir. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir: «1. (…) nasceu no dia 17 de Abril de 1995, sendo filha de (…) e de (…). B) DE DIREITO: Dispõe o artº 1880º do C.Civil o seguinte: «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete». No artigo anterior (artº 1879º) alude-se à obrigação dos pais de «prover ao sustento dos filhos» e de «assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação». Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, este preceito visa acautelar as situações «em que o filho, a despeito de haver já atingido a maioridade (ou obtido a emancipação, pelo facto do casamento), necessita ainda do auxílio e assistência dos pais, por não ter completado a sua formação profissional» (Código Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 338) – o que é hipótese perfeitamente comum a partir da descida para os 18 anos da maioridade legal, com o que passaram a ser frequentes os casos em que «ainda não se completou uma formação profissional, especialmente se esta depende de habilitação de uma escola superior» (assim, RODRIGUES BASTOS, Anotações ao Código Civil, Direito da Família, vol. V, 1980, p. 18). Nesses casos, «há todas as razões para se manter a obrigação específica de sustento e de custeio das despesas de segurança, de saúde e de instrução (stricto sensu) do filho» (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ibidem). Aderimos, assim, ao entendimento segundo o qual «o fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos [maiores] é (…) a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional» (neste sentido, Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, p. 128). Nesta medida, como também tem sido sublinhado em vários arestos, louvando-se na referida autora, «os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios» – trata-se da interpretação mais conforme «com o direito à educação, ao ensino e à cultura (arts. 73º a 79º da Constituição), cujos custos deverão ser suportados pelos pais, desde que tenham condições económicas para tal, com a cooperação do Estado» (v., por todos, o Ac. RP de 9/11/2006, Proc. 0634113, in www.dgsi.pt). É por tudo isto que cremos que o R. não pode demitir-se das suas responsabilidades como progenitor da A., não sendo circunstâncias como a redução dos seus recursos económicos ou a existência de encargos com dívidas da sua anterior actividade comercial que o poderão exonerar liminarmente da sua obrigação de contribuir para as despesas com a formação profissional da filha, na medida em que esta pretende prosseguir os seus estudos, designadamente de nível superior. Será, pois, de impor ao R. o pagamento de uma quantia a favor da A., mas sempre tendo em atenção a referência da lei a um critério de razoabilidade. No caso dos autos, e tendo presente a matéria de facto provada, haverá que atender aos seguintes aspectos: está demonstrado que o R. tem como fontes de rendimento, pelo menos, um vencimento de € 431,65 e rendas no montante total de € 550,00 (cfr. factos nos 13 e 14); as suas dívidas ascendem a um total de 1.518,26 €, que constitui valor não muito significativo, sem que haja elementos que indiquem iminência da sua cobrança (cfr. facto nº 15); não se provaram, nem foram alegados pelo R., outros encargos relevantes; o R. já vinha suportando, até à maioridade da sua filha, uma pensão mensal de € 200,00 (cfr. factos nos 2 e 3); ainda que não tenha havido uma quantificação exacta das despesas da A., é seguro que tem as despesas próprias de uma jovem da sua idade e na condição de estudante (cfr. factos nos 7 e 8), a que acrescem as despesas naturalmente decorrentes da sua situação grave de saúde (cfr. facto nº 9); a situação económica da mãe da A., com que esta vive, também não é desafogada, já que aufere um vencimento de € 620,00, paga renda de casa de € 360,00 e suporta as suas despesas e as da própria filha decorrentes dessa vivência comum (cfr. factos nos 11 e 12). Atentos estes tópicos, afigura-se-nos ser possível ir mais além, em termos quantitativos, do que foi o tribunal de 1ª instância na fixação da prestação de alimentos colocada a cargo do R., sendo razoável que este suporte, ao abrigo do artº 1880º do C.Civil, uma quantia superior àquela que foi arbitrada na decisão recorrida. Desconhece-se qual a situação de requerente e requerida à data em que foi definida a pensão de alimentos no âmbito do processo de regulação do exercício de responsabilidades parentais, mas também se nos afigura não dispormos de elementos bastantes para fixar uma quantia, pelo menos, idêntica à que ali foi arbitrada (e que vem peticionada pela requerente e ora apelante, mesmo em sede de recurso): por um lado, os pressupostos da obrigação alimentícia relativamente a filho maior não são exactamente os mesmos que respeitam a filho menor (havendo também que admitir alguma exigência de proactividade ao filho maior na procura da satisfação das suas necessidades, mas que, no caso concreto, até parece verificar-se pela iniciativa de procura de emprego a tempo parcial – cfr. facto nº 10); e, por outro lado, haverá que reconhecer que o R., atento o valor dos seus rendimentos e encargos, tanto quanto foi possível provar, terá uma margem de disponibilidade económica relativamente condicionada. Sendo assim, e tudo ponderado, entendemos ser adequado e equitativo fixar a prestação mensal de alimentos devidos pelo R. à A., sua filha, em € 150,00. Mas isto não significa, como bem assinalou o tribunal recorrido, que a situação ora definida não possa ser modificada, desde que ocorra uma alteração de circunstâncias nas situações de A. e/ou R., e novos elementos sejam trazidos aos autos. Em suma: pelas razões aduzidas, a presente apelação merece provimento parcial, com a consequente revogação da decisão recorrida, na parte em que nela se fixa a quantia a pagar pelo R. em € 100,00, confirmando no mais essa decisão, pelo que, igualmente, se julga parcialmente procedente o pedido (quantificado em € 200,00 mensais), e se condena o R. a pagar à A. uma prestação mensal de alimentos no valor de € 150,00. Em conformidade com o exposto, acorda-se em conceder provimento parcial à apelação deduzida pela A., com a revogação da sentença recorrida na parte relativa ao montante da prestação de alimentos nela arbitrada, pelo que se decide julgar parcialmente procedente a presente acção especial de alimentos a filhos maiores ou emancipados, condenando o R. (…) a pagar à A. (…), sua filha, uma prestação mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), a título de alimentos, a qual é devida desde a data da entrada do requerimento inicial na Conservatória do Registo Civil. Custas da acção e da apelação por A./apelante e R./apelado, na proporção dos respectivos decaimentos (artº 527º do NCPC), sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido à A./apelante (v. fls. 68-71). Évora, 29 / 01 / 2015 Mário António Mendes Serrano Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto) Mário João Canelas Brás (dispensei o visto) |