Escolhas Difíceis para Crianças com Pais Separados

Escolhas Difíceis para Crianças com Pais Separados

(Separationsbarns boende)[1]

Por Lars Tornstam

 

Tradução da versão inglesa para o português : Tânia Carvalho 
Revisão/interpretação no idioma português : Ricardo Simões

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No futuro, poderemos contar com profissionais da área social para fazer face a um crescente nível de solicitações de aconselhamento e acompanhamento relativamente a crianças vindas de divórcios ou relacionamentos desfeitos. Poderemos considerar um crescente aumento da percentagem, das crianças estarem em guarda partilhada, serem desviadas das disputas de guarda do ponto de vista legal para uma questão de onde a criança irá morar. Nesta investigação, os investigadores examinaram e compararam os efeitos do ajustamento e desenvolvimento de diferentes guardas e escolhas de habitação para as crianças de pais separados. A investigação resulta numa perspetiva universal das vantagens relativamente ao que os suecos chamam de “casa partilhada”, ou seja, que os pais não tenham apenas a responsabilidade legal das suas crianças, mas também a partilha das responsabilidades práticas do dia-a-dia, vivendo com as crianças de uma forma alternada.

 

Em muitos países, desenvolveram-se políticas e sistemas com regras em que os interesses das crianças funcionam como um guia, permitindo aos pais separados terem a guarda partilhada das crianças. Como exemplo, podem indicar-se as decisões dos tribunais acerca da guarda (nos casos em que os pais tinham sido anteriormente casados) tomadas pelo Tribunal da Família na Suécia, em 1992. Aqui a partilha da guarda das crianças era 79%, as mães sozinhas tinham guarda em 19% dos casos e os pais em cerca de 2% (Vårdnadstvistutredningen, 1995).

 

Na Suécia existe também uma nova lei em desenvolvimento para o bem-estar das crianças. Os tribunais têm sido incapazes de decidir sobre a guarda partilhada nos casos em que um dos pais está contra. Entre os países escandinavos, os tribunais na Finlândia e Noruega já prevêem esta possibilidade. A tendência é, porém, indubitavelmente para que mais e mais decisões de guarda partilhada sejam definidas. Isto pode, tal como o sueco Vårdnadstvistutredningen (1995) sublinha, conduzir os pais, no futuro, a disputarem entre si a morada da criança em vez de quem é que tem legalmente a guarda. Torna-se assim muito mais importante para todos os participantes (em processos de aconselhamento e/ou de tomada de decisão sobre a habitação para crianças de relações desfeitas) basearem as suas conclusões e operações no conhecimento científico e na experiência comprovada. Lassbo (1994) explica que, no que diz respeito aos efeitos da estrutura familiar no desenvolvimento da criança, existe pouco conhecimento empírico e muita “adivinhação” e teorização.

 

Desta forma, tem sido delineada uma pesquisa sobre literatura de investigação científica relativa a esta matéria. Sobretudo, para investigar em que ponto se encontram a ciência e a experiência comprovada nas questões de habitação para as crianças de pais separados, em particular relativamente às consequências do dilema “casa partilhada” versus “casa total”. A pesquisa através de base de dados de bibliotecas e motores de busca na Internet apresentou um resultado muito pobre relativamente à investigação escandinava nesta área. A principal matéria que é revista aqui provém da América do Norte. Contra estes dados, pode adiantar-se que as condições noutros países são tão diferentes das condições escandinavas que nenhumas conclusões relevantes podem ser definidas. Lassbo (1994) acredita que, por exemplo, países com uma política social bem estruturada, como aquelas da Escandinávia, não podem ser comparados com uma realidade política e social de países menos desenvolvidos. Os sistemas de segurança social podem criar, por exemplo, boas condições externas para que famílias monoparentais funcionem com êxito – que é uma das principais mensagens do artigo de Lassbo (op. cit.). Se alguém, apesar das objeções anteriormente citadas, considerar que as necessidades psicológicas/sociais da criança e o seu desenvolvimento são basicamente os mesmos na maioria dos países, não devemos ignorar os estudos feitos por países não-escandinavos, mas sim recolher a informação essencial dos mesmos.

 

  Distinções e Metodologias

 

É necessário sublinhar que o tema principal desta análise é a de que a comparação do desenvolvimento da criança e os seus sentimentos dependem de se a mesma vive ou não com um pai (habitação total) ou com a mãe e pai intermitentemente (habitação partilhada). O objetivo desta análise não é comparar crianças de pais separados com aquelas que vivem com ambos os pais.

 

Em inglês, a expressão sole custody (guarda única) é o equivalente ao sueco ”ensam vårdnad”, e joint/shared custody (guarda conjunta/partilhada) corresponde àquilo que em sueco significa “gemensam vårdnad”, ou seja, ambos os pais têm legalmente a guarda única da criança. Em vários trabalhos dos anos 1970, mas também em muitos posteriores, é recorrente usar-se o termo guarda partilhada para fazer referência àquilo que chamamos “hälftenboende”, que significa que a criança vive, no sentido físico, intervaladamente com a mãe e o pai.

 

Vários estudos, em que é expressa a vontade de avaliar os efeitos da “guarda única (ensam vårdnad)” comparativamente à “guarda partilhada”, comprovam esta dificuldade. Isto é parcialmente devido à categoria “guarda partilhada” incluir casos em que o verdadeiro espírito do termo tem sido mantido, bem como em casos em que um dos pais (muitas vezes o pai), apesar das disposições legais, tem visto a criança menos vezes. Similarmente, noutros casos, a “guarda única” na realidade acaba por ser mais uma guarda partilhada, com o pai sem guarda legal a ter contacto num grau elevado com a criança.

 

Pode fazer-se a assunção, não despropositada, de que é o “contacto real” com a criança que conta, mais do que o acordo legal, e que este pode influenciar o desenvolvimento e a adaptação da criança. Isto significa que as diferenças encontradas quando feita a comparação entre guarda única versus partilhada têm tendência para ser subestimadas.

 

O problema da definição foi assinalada rapidamente, e uma diferenciação começou a ser feita entre

 

a)    Guarda legal partilhada, em que os pais decidem legalmente em conjunto sobre a vida da criança, escola, etc., e

b)    Guarda física partilhada, em que os pais partilham os cuidados diários da criança.

 

Nesta análise, uso as seguintes traduções:

 

Guarda única = ensam vårdnad

 

Guarda legal partilhada  = gemensam vårdnad

 

Guarda física partilhada , parentalidade partilhada = hälftenboende

 

As investigações que têm sido analisadas são muito heterogéneas com respeito à forma e à altura em que as medidas foram tomadas, bem como para com as idades das crianças na altura da separação. As investigações incluem crianças recém-nascidas até aos 12 anos de idade à altura da separação, e que tinham entre os 3 e os 15 anos na altura das respetivas investigações. Nalguns estudos, as investigações apenas foram realizadas em determinada altura após a separação; noutros casos as famílias separadas foram estudadas regularmente até quatro anos após a separação. A seleção exemplificativa de famílias separadas também variou entre aleatória e sistemática de, por exemplo, famílias com elevados níveis de conflitualidade. Apesar destas diferenças, os resultados da pesquisa mostram um grande nível de entendimento (ver mais abaixo).

 

Investigação inicial sobre educação de crianças

 

Analisando a literatura, foi no início dos anos setenta que a investigação sobre as questões de educação de crianças despoletou. Antes disso, apenas surge a inquestionável guarda única, com a mãe como a óbvia encarregada.[2]

 

Com o aumento dos divórcios e consciencialização da igualdade entre os géneros, surgiu o debate sobre a ordem estabelecida, com a mãe a ser a natural e óbvia opção de guarda. A guarda partilhada entre os pais (por vezes denominada delad vård ou växelboende) começou a surgir como alternativa ao padrão estabelecido.

 

Contudo, vozes de alerta soaram rapidamente. Num livro frequentemente citado, Goldstein et. al. (1973) argumentava contra a guarda partilhada entre os pais. A constante mudança de casa entre os pais pode, sublinhava, criar confusão, perda do sentimento de pertença, conflitos de lealdade, etc. Os argumentos não eram, contudo, baseados em investigações sobre as consequências das diferentes formas de educação; eram mais baseados em raciocínio teórico e lógico. Investigação posterior viria mostrar por que razão estes receios não eram justificados. Steinman (1981) podia, por exemplo, refutar a assunção relativa aos conflitos de lealdade para as crianças em situações de educação partilhada. Luepnitz (1986) e Shiller (1986a) têm provado que a educação partilhada não cria insegurança ou confusão nas crianças.

 

Num relatório de investigação, Coller escreve:

 

“… é agora claro que a guarda partilhada não apresenta o tipo de ameaça prevista por Goldstein et. al.,  e, em muitos casos, oferece claramente benefícios substanciais para tanto crianças como pais”. (p. 460)

 

Os efeitos do divórcio nas crianças

 

Que as crianças sofrem com o divórcio não deve ser questionável. Que também têm uma falha no desenvolvimento tem sido apontado em quase todos os estudos. Lassbo (1994) apresentou uma série de análises em que mostrava como as crianças de famílias monoparentais, em muitos aspetos, estão piores que as crianças em famílias com ambos os pais, mas revelou, ao mesmo tempo, um estudo sueco que mostra que as diferenças não serão assim tão grandes.

 

Quando se tratam de efeitos psicológicos do divórcio, tem-se comprovado que o desaparecimento parcial ou total do pai, que tem sido, na verdade, a questão, tem efeitos negativos. Parish (1987) revê a sua própria e outras investigações, que confirmam que a ausência do pai tem efeitos negativos na criança, tais como, adaptação social fraca, ansiedade, imagem que tem de si própria debilitada e problemas na escola.

 

Quando se tratam de efeitos sociais, as estatísticas americanas relativas ao relacionamento de crianças em “famílias sem pai” também têm sido alarmantes. As crianças de “famílias sem pai” apresentam vinte vezes um maior risco de desenvolverem problemas comportamentais; nove vezes maior risco de abandono da escola antes de a complementarem e dez vezes maior risco de usar/abusar de narcóticos, etc. (Schildt, 1994). Lassbo (1994) sugere que as estatísticas são interpretadas de forma exagerada, mas a dupla de investigadores suecos Öberg & Öberg (1992) tem entrevistado sobejamente crianças “sem pai” e pais “sem crianças”, e demonstrado a importância psicológica negativa da perda de contacto entre criança e o pai, que não pode ser ignorada.

 

Tanto rapazes como raparigas são afetados negativamente por divórcios, mas vários estudos têm mostrado que os impactos do divórcio são mais sérios nos rapazes que nas raparigas, no que diz respeito à perda de contacto diário com o pai (Wallerstein & Kelly, 1980; Kelly, 1981; Warshak & Santrock, 1983; Emery et.al., 1984).

 

As consequências das diferentes formas de educar as crianças

 

Rapazes e raparigas

 

Nos estudos em que são comparados casos com pais e as respectivas mães com a guarda única das crianças, uma característica comum que se correlaciona com a melhor adaptação da criança tem sido a semelhança de género entre o educador e a criança (Warshak & Santrock, 1983). Por outras palavras, as raparigas relevam um desenvolvimento mais positivo se o educador for a mãe, enquanto os rapazes mostram um comportamento mais positivo se o educador for o pai. Contudo, de acordo com a mesma fonte, o desenvolvimento em ambos os casos apresenta mais problemas em comparação com famílias funcionalmente intactas.

 

Pojman (1982) compreendeu que os rapazes em educação partilhada revelam uma adaptação igualmente boa à dos rapazes de famílias funcionalmente intactas. Os rapazes em educação partilhada mostraram também uma adaptação significativamente melhor que os rapazes em guarda única e rapazes de famílias funcionalmente intactas. Também Shiller (1986b) reportou resultados semelhantes. Rapazes em educação partilhada apresentavam distúrbios emocionais e comportamentais menores quando comparados com casos de guarda única por parte da mãe.

 

Educação única versus educação partilhada

 

Na Suécia parece existir, a julgar pelos resultados de uma pesquisa, apenas um estudo no qual foram investigadas famílias que, após o divórcio, escolheram diferentes formas quanto à questão da educação. Foi o casal Bente e Gunnar Öberg (1985), ambos terapeutas de psicologia familiar, que conduziu entrevistas mais extensas com sessenta famílias divorciadas escolhidas aleatoriamente. Metade destas escolheu a educação partilhada; a outra metade a educação única. Na altura das entrevistas, pelo menos tinham passado 5 anos desde o divórcio, e as crianças teriam entre os 5 e os 18 anos de idade. Como este facto está ligado a um estudo qualitativo, não existia uma medida simples pela qual se pudessem comparar os resultados entre as duas formas de educação. Do ponto de vista das entrevistas, a ênfase é, contudo, que a imagem de educação partilhada tem precedência perante a educação única. Num trabalho posterior, cuja leitura pode ser recomendada (Öberg & Öberg, 1987), os autores listam as vantagens e desvantagens associadas às diferentes formas de educação. A lista mais longa e mais convincente de vantagens é a da educação partilhada.[3]

 

Nestas investigações, em que se tem, com uma perspetiva quantitativa, comparando os efeitos da educação única e a educação partilhada, os resultados são praticamente unânimes a favor das vantagens da última opção.

 

Medidas psicológicas diferentes têm, em toda a linha de investigação, concluído que crianças de educação partilhada revelam desenvolvimento mais positivo – uma maior satisfação, melhor adaptação, melhor força interior e autoconfiança, etc. – em comparação com crianças de educação total (Nunan, 1980; Cowan, 1983; Pojman, 1982; Livingston, 1983; Noonan, 1984; Shiller, 1984, 1986; Handley, 1985; Wolchik, 1985; Bredfield, 1985). Outros, por exemplo Karp (1982), têm uma concordância lógica relativamente a estes resultados, concluindo que as crianças em ambientes de educação única mostram mais conflitos com os pais, comparativamente com as crianças de educação partilhada.

 

Em algumas investigações, contudo, é possível encontrar apenas diferenças marginais ou nenhuma diferença entre as crianças criadas em ambientes de educação partilhada e crianças em educação única. Kline et. al. (1989) estudou, por exemplo, 93 crianças de divórcios com idades entre os 3 e os 14 anos durante um período de três anos após o divórcio, e descobriu que seria “apenas” relativamente à adaptação emocional que as crianças em educação partilhada revelam resultados ligeiramente melhores que as crianças em educação única. Crianças em educação partilhada também possuíam melhor acesso a ambos os pais. Com respeito a perturbações comportamentais e adaptação social, não foram encontradas diferenças entre crianças em educação partilhada e em educação única.

 

O que pensam as crianças?

Tanto Abarbanel (1979) e Luepnitz (1986) concluíram que a educação partilhada é a escolha das próprias crianças, uma vez que é a “forma familiar” que melhor continuidade dá e que mais próxima está da família intacta que elas próprias gostariam de ver. Ao comparar a educação partilhada e a única, Luepnitz (1982) percebeu que as crianças em educação única, como regra, estavam insatisfeitas com o grau de envolvimento com o progenitor que não tinha a guarda (isto significa, na maioria dos casos, o pai), enquanto as crianças em educação partilhada estavam satisfeitos em contacto com ambos os pais.

 

Num relatório de investigação, Kelly (1988) sumariza as descrições das próprias crianças:

 

Comparadas com as crianças em guarda maternal única, os jovens em guarda partilhada (física) encontravam-se mais satisfeitos com as suas condições (Handley, 1985, Luepnitz, 1982, 1986) e não foram confrontados com sentimentos de perda e privação tão característicos de crianças em famílias com guarda única. (Luepnitz, 1982, Steinman, 1981). A maioria dos jovens considerou vantajoso ter dois lares e o esforço extra ao transitar entre as casas compensador, porque lhes permite estar mais próximos de ambos os pais (p.131).

 

Pais com visitas e Pais com Guarda partilhada

Quando se trata de crianças em guarda única com a mãe existe uma tendência enraizada de que os pais, apesar das suas boas intenções, parecem afastar-se e desaparecer para uma esfera periférica. O Dr. Sanford L. Braver (1995), que conduziu uma investigação durante 25 anos sobre os efeitos do divórcio, explicou esta situação com base num estudo continuado sobre as experiências dos pais, numa conferência em 1995:

 

… a sua experiência não é, de todo, a de “retirada”. Pelo contrário, eles sentem-se postos de lado, colocados à margem da vida das crianças. Sentem que o sistema, as suas ex-mulheres e as atitudes da sociedade, em conjunto, parecem combinar-se para os afastar da vida dos filhos, de tal forma que sentiram que os filhos já não seriam mais seus.

 

Irving et. al. (1984) pôde, por seu turno, num extenso estudo empírico, mostrar que os pais em educação partilhada puderam assumir uma maior intervenção nas vidas diárias dos crianças, do que tinham antes do divórcio. Isto significa que as crianças em educação partilhada têm, de facto, um maior contacto diário com o seus pais que antes do divórcio.

 

Risman (1986) também encontrou suporte empírico para o papel do progenitor consoante o género, sendo estruturalmente eficaz, mudando o carácter quando existem mudanças no relacionamento. O papel do pai não é estanque, mas flexível e dependente das condições. Os pais que têm uma responsabilidade diária e concreta mudam o seu comportamento para não terem só mais tempo para as crianças, mas também para terem ambos os papéis de “papá e mamã”.

 

 Mãe com Guarda Única e mães com Guarda Partilhada

Luepnitz (1986) concluiu num estudo que as mães em educação partilhada sofriam, ainda que num grau reduzido, de burnout, quando em comparação com mães em guarda única. Hanson (1985) chegou à conclusão de que as mães em educação partilhada possuíam melhor saúde mental que mães com guarda única. Maccoby et. al. (1986) sublinhou que as mães com educação partilhada estavam mais satisfeitas com a sua situação do que mães com guarda única. Irving et. al. (1984) considera que as satisfação das mães com a educação partilhada como regra aumentou com a passagem do tempo. Karen DeCrow, antiga presidente da organização nacional das mulheres, nos Estados Unidos, escreveu a 1 de Maio de 1994, no Syracuse Times, o seguinte:

 

A educação partilhada não é apenas justa para homens e crianças, é a melhor opção para as mulheres após a observação dos direitos e responsabilidades das mulheres por mais de um quarto de século de ativismo feminista; concluo que a educação partilhada é melhor para as mulheres, dando tempo e oportunidade às mães para prosseguir a sua educação, formação, empregos, carreiras, profissões e lazer.

 

Existe um estudo, contudo, em que a imagem não é tão positiva para as mães com educação partilhada. Leff (1995) entrevistou 8 mulheres, quatro depois de uma decisão do tribunal[4] contra a sua vontade de ter iniciado a educação partilhada. Aparentemente, se elas fossem forçadas a aceitar a educação partilhada contra a sua vontade, iria aumentar os conflitos que tinham estado na origem dos problemas entre os pais de chegarem a acordo sobre a questão da educação, tornando a decisão do tribunal necessária. Leff (op. cit.) escreve no seu resumo que:

 

Quatro anos mais tarde (do início da educação partilhada), todos os intervenientes tinham admitido ter retirado benefícios com isso. Cada mulher concordou que os períodos de “pausa” dos filhos lhes tinham dado maior paz e liberdade. Todos os intervenientes estavam agradados com o seu novo e mais poderoso eu, que tinha emergido.

 

Recomendações legislativas e conselhos práticos

Coller (1988) escreve, após ter feito uma investigação na área, que aparentemente a educação partilhada é a forma de educação a que deveria ser dada a prioridade máxima e ser a situação normal. Na condição de haver fortes contraindicações relativamente à educação partilhada, a guarda legal partilhada com residência única é recomendada. A guarda física e legal única deverá ser a última opção.

 

As contraindicações em relação à educação partilhada podem ser a existência de um elevado nível de conflito entre os pais que sucessivas tentativas de mediação não têm sucesso, a existência de um padrão em que os pais estão constantemente na procura de processos judicias um contra o outro, usando as crianças como arma. Doenças mentais, abuso de drogas e disfunções sociais dos pais podem também ser contraindicados.

 

Quando se trata da realidade da educação partilhada, Friedman (1994), um psicoterapeuta com experiência clínica de guarda partilhada crianças e pais, considera que os pais não podem nem precisam de estar isentos de conflitos para ter êxito com a educação partilhada. Contudo, é necessário aprender a comunicar abertamente sobre o que é melhor para as crianças. Os pais devem concordar que podem discordar e interessar-se pelas crianças de forma apropriada.

 

Relativamente ao esquema de residência, Friedman sugere que as crianças com menos de seis anos deverão começar com “semanas divididas” para, mais tarde, passarem a semana/semana ou intervalos mais longos com cada pai. Para evitar demasiada movimentação de roupas e outras coisas entre casas, com o ocupante a esquecer-se das mesmas (razões potenciais para conflito), é recomendável que no início se tenham dois conjuntos de roupas, brinquedos, etc.

 

Num estudo sueco sobre 60 famílias divorciadas, Öberg & Öberg (1987) concluíram que os pares em educação partilhada muito frequentemente recorreram ao modelo em que as crianças viviam semanas alternadas com cada pai. Algumas crianças mudavam de casa mais do que uma vez por semana. As crianças estavam com um dos pais às segundas e terças-feiras, às quartas e quintas-feiras com outro, e alternavam entre os pais a sexta-feira, o sábado e o domingo.

 

Öberg & Öberg escrevem sobre este modelo:

 

Na realidade, significa que estão cinco dias seguidos com cada pai num período de 14 dias. O esquema parece mais fragmentado do que realmente é.

 

A vantagem deste sistema é que tanto crianças como pais têm dias fixos para estar uns com os outros. Uma mãe pode decidir tirar um curso às quartas-feiras e sabe que tem sempre essa noite livre. Uma criança pode tocar violoncelo às terças-feiras e não necessita de transportar o instrumento de uma casa para outra em cada semana.

Outra vantagem foi formulada por uma criança de sete anos: “Quando se muda tão frequentemente não se tem tempo de sentir saudades de alguém e sentimo-nos quase como se vivêssemos juntos o tempo todo”. (P 74 – 75)

Öberg & Öberg (op.cit.) assinalam que os pais devem viver perto um do outro, para que as crianças não tenham de viajar longas distâncias entre ambos. Geograficamente é ideal que os pais vivam dentro da mesma região da escola, de acordo com Friedman (1994). Furstenberg et.al. (1985) mostrou que uma distância mais curta entre as habitações dos pais trará maiores probabilidades de a educação partilhada funcionar bem.

 

Para aqueles como nós que consideram que a criança deve ter algo a dizer, é importante pensar naquilo que Friedman (op. cit.) tem a dizer sobre esta questão. Em oposição a uma prática comum em muitos países[5], Friedman (op. cit.) alerta que, especialmente em questões de habitação e educação, questionar a criança sobre onde quer viver:

 

… coloca-a numa situação eterna de não ganhadora. Uma criança é feita de ambos os pais. Por vezes, o sentimento de culpa desta decisão não passa enquanto a criança não se torna, ela mesma, pai/mãe, mas causa quase sempre um sentimento profundo de traição e a persistência de que “eu devia ter sabido lidar com isto” quando se referir ao progenitor que não foi escolhido.

 

Também na Suécia, Öberg & Öberg (1987) chegaram a uma conclusão semelhante:

Pensamos principalmente que a questão de onde a criança deve viver deve ser decidida pelos pais […] permitir que os mais pequenos escolham com quem devem viver significa em muitos casos colocar a criança num conflito de lealdades difícil.

Öberg & Öberg afirmam, contudo, que ao mesmo tempo filhos que são adolescentes devem ser incluídos nas discussões, mesmo que a decisão, tal como acima enunciado, deva ser concluída pelos pais.

 

Em resumo, os resultados desta análise apontam quase unanimemente para a vantagem de tanto as crianças como os pais estarem em educação partilhada. Isto sob as condições de que não existem conflitos particularmente difíceis a serem ultrapassados entre os pais. O documentário canadiano Dad’s House – Mom’s House, do National Film Board of Canada[6], que também surgiu numa investigação de resumos da internet, ilustra muito bem o conhecimento da situação, sem trazer ao de cima todos os estudos que formaram a base com que os investigadores conduziram as entrevistas a pais e os comentários de crianças. O filme está em inglês, numa forma compreensiva e clara, e pode ser recomendado àqueles que tenham interesse em se orientar nesta questão.

 

O problema é agora compreender como retirar as nossas conclusões a partir da investigação norte-americana, sumarizada em cima. Pode-se, por exemplo no caso de Lassbo (1994), ser cuidadoso para que não se deixe na prática o trabalho do assistente social sem qualquer coisa a dizer. Pode-se também, sugiro eu, prestar-se atenção à investigação existente e chegar à mesma conclusão que Coller (1988), para que em casos concretos se tente, em primeira instância, colocar em funcionamento uma situação de educação partilhada.

 

 


[1] Originalmente publicado em Nordisk Socialt Arbeid, 1996(3):193-203. http://www-old.soc.uu.se/plugins/pdfdownload.php?id=1207

[2] Esta visão não tem em conta uma perspetiva histórica mais longa, em que o homem tinha a guarda e era o óbvio encarregado, com a exceção do período em que a mãe amamentava a criança. De acordo com a Magnus Eriksson’s landslag (constituição) de 1350, as crianças nascidas fora do casamento deviam, após os três primeiros anos de amamentação com a mãe, ficar com pai até que a criança tivesse sete anos de idade. Então ambos os pais seriam responsáveis pela educação da criança. Esta lei esteve em vigor, sem alterações, durante quase 300 anos (Vårdnadstvistutredningen, 1995).

[3] Lista de vantagens de guarda partilhada

 As crianças têm uma vida diária com ambos os pais, não se tornando “estranhos” entre si.

 As crianças sentem que é “Justo”: nenhum dos pais é favorecido.

 As crianças sentem menos culpa e/ou saudades do pai.

 As crianças sentem que são amadas e importantes para ambos os pais, o que reforça a auto-confiança.

 Os rapazes continuam a ter o pai como um modelo de identificação.

 As crianças pequenas sentem que com as mudanças frequentes ainda vivem com ambos os pais.

 As crianças sentem que contribuem para o encontro dos pais e aproximação e cooperação.

 Não existem risco de que o contacto com qualquer um dos pais terminará com a adolescência.

 Pode ser positivo “ter descanso” de um dos pais (especialmente para os adolescentes).

 O divórcio não é encarado como um perda devastadora, porque a criança não perde amor nem as pessoas importantes na sua vida diária. (pág. 133)

[4] Em diversos países, bem como em vários estados dos Estados Unidos da América, os tribunais têm a possibilidade de decidir pela educação partilhada e guarda partilhada se considerarem que é a melhor opção para as crianças – mesmo se cada um ou ambos os pais se opuserem inicialmente. Se a Vårdnadstvistutredningens (1995) for aprovada, os tribunais suecos terão também a possibilidade de decidir pela educação e guarda partilhada mesmo que os pais se oponham.

[5] A Vårdnatstvistutredningen mostra que os tribunais em diversos países procuram regularmente saber a vontade das crianças. Muitas vezes esta procura está ligada à idade da criança. Na Irlanda, a escolha da criança é tida em conta se tiver 12 anos ou mais. Em Espanha, bem como na Holanda, acontece sempre que a tiver 12 anos ou mais. Na França, a questão é suscitada se o tribunal decidir que é adequada. A idade não é importante, mas crianças com menos de 7 anos raramente são escrutinadas.

[6] O filme pode ser encomendado através da NFB’s London Office; National Film Board of Canada, Grosvenor Square, London W1X OAB, England. Tel: 00944-71 258 6482. Fax: 009944-71 258 6532.

A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PELA IGUALDADE PARENTAL E DIREITOS DOS FILHOS tem por fim as actividades de carácter cívico, cultural, formativo e informativo, no âmbito da protecção e fomento da igualdade parental, nos seus diferentes níveis de intervenção – legislativo, jurídico, psicológico, mobilização da opinião pública, entre outros -, relativamente aos direitos dos filhos (crianças e adolescentes) cujos pais se encontrem separados ou divorciados.