Discurso do Presidente da Direção da APIPDF na V Conferência Internacional Igualdade Parental Séc. XXI – Santarém

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Discurso do Presidente da Direção da APIPDF na V Conferência Internacional Igualdade Parental Séc. XXI – Santarém

Bom dia a todos e todas.

Desde já queremos salientar, agradecer e valorizar a presença da Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, num exemplo claro da necessidade e capacidade de diálogo com a sociedade civil e que muito nos honra.
Em nome da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos quero agradecer a presença a todos os oradores e oradoras, permitindo-me saudar em particular aqueles que a partir dos respetivos países tiveram a amabilidade de se deslocar até nós, como é o caso da Professor Eduard Kruk, do Canadá, e da Juíza Angela Guimenez e do advogado Paulo Halegua, do Brasil.
Quero ainda agradecer às diferentes entidades e empresas que, de diversas formas , tornaram possível a realização desta conferência, com especial destaque ao inestimável contributo da Câmara Municipal de Santarém, na pessoa da Sra. Vereadora, Dra. Susana Pita Soares, que se propôs a ser coorganizadora nesta edição.

Ainda um particular agradecimento aos ilustres elementos que aceitaram pertencer à nossa Comissão de Honra, bem como aos voluntários que aqui estão connosco e àqueles que contribuíram até hoje para fazer com que esta iniciativa decorra com sucesso e ainda aos artistas plásticos que participam na nossa exposição.
Por último, queremos ainda expressar o nosso agradecimento a todos os participantes que aqui estão.

Pelo quinto ano consecutivo realizamos a nossa Conferência Internacional Igualdade Parental Séc. XXI, este ano subordinada ao tema “Práticas e Perspetivas sobre a Coparentalidade e as Crianças”. Podemos hoje dizer que a Conferência se tem afirmado pela sua capacidade de apresentação, discussão e reflexão multidisciplinar sobre as matérias de infância, juventude e da família
Encontramo-nos numa época histórica, particularmente desafiante. Se nos últimos 20 anos assistimos às alterações de 1995, 1999 e 2008 na área do Direito da Família e das Crianças, como alterações de cariz mais conceptual, mais recentemente, em 2015, o novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível deu um passo legislativo significativo para uma mudança procedimentos quanto à resolução de conflitos parentais, procurando colocar a criança no centro do processo, em linha com as orientações da chamada “Agenda da Criança”.
Mas se, nos anos 90 do século passado, as mudanças advinham de uma clara movimentação da sociedade civil, já neste século assistimos a uma predominância da orientação europeia em detrimento da realidade nacional. Esta realidade leva-nos a refletir sobre o caminho que temos vindo a trilhar. Este caminho, permite dar resposta, às mudanças sociais e familiares dos últimos 20 anos?

O que observamos é uma tendência social já identificada: mais casais sem filhos;
mais casais em união de facto; mais casais recompostos; menos filhos por casal. De acordo com o Censos de 2011, 1 em cada 10 casais, com ou sem filhos, vive em união de facto; 3 em cada 10 casais “de facto” com filhos são casais recompostos; 6 em cada 10 casais recompostos vivem em união de facto.
São principalmente os casais jovens (até aos 39 anos) que mais vivem em união de facto e em recomposição familiar. A par desta tendência observa-se, a partir do 25 de abril, mudanças significativas nos papéis de género no seio familiar e na redefinição do lugar da criança nas famílias portuguesas. A criança passa a ocupar um lugar de destaque, a ser objeto de investimento e de afeto por parte não só da família conjugal, mas também da restante família alargada, em clara rotura com outras décadas. Se ao mesmo tempo que a dimensão afetiva do lugar da criança se acentuou nos últimos 30 anos, não menos deixou de se afirmar de igual modo a função de sociabilidade lúdica e identitária, ainda que não homogénea em todas as famílias. Mas é muita das vezes nessa sobrevalorização da função identitária que as crianças desempenham no projeto conjugal que acaba por agravar a incapacidade da gestão positiva da dissociação conjugal.

Posto isto, é necessária e urgente a existência de uma visão de intervenção preventiva e de apoio às crianças e à sua família em situação de separação ou divórcio, garantindo assim a sua gestão atempada com melhores prognósticos. A família da criança é e tem que ser o primeiro garante do seu superior interesse.
Os dados disponibilizados pela Direcção Geral de Políticas da Justiça, nomeadamente os que dizem respeito ao número de processos findos em 2015, com quase 20 mil de regulação do exercício das responsabilidades parentais, cerca de 21 mil por incumprimentos e 10 mil por alteração, levam-nos a concluir pela necessidade de mudança de paradigma. Nunca como em 2015 as agora chamadas Seções de Família e Menores findaram tantos processos. Infelizmente, o que observamos estatisticamente, é que o retorno das crianças aos tribunais, pelas mais variadas razões, tem aumentado de ano para ano.

O Regime Geral do Processo Tutelar Cível trouxe consigo uma proposta de mudança. Mesmo com as suas insuficiências e falhas no articulado legislativo, permite-nos repensar a atuação da Justiça e com ela a atuação dos profissionais que lidam com as crianças e a sua família. No entanto, passados meses desde da entrada em vigor do respetivo diploma, podemos constatar que as velhas práticas que nos últimos anos retiraram um dos progenitores da vida das crianças permanecem enraizadas e resistentes às mudanças necessárias. Os diferentes profissionais (magistrados, advogados, técnicos da Segurança Social, psicólogos, entre outros) continuam a atuar de uma forma desarticulada, centrada em aspetos de natureza processual, salvo raras exceções, acabando por adiar a intervenção nas famílias e comprometendo os tempos das crianças. Acreditamos que a efetiva implementação do RGPTC possa diminuir, a médio prazo, as pendências, bem como os tempos médios de espera.
A “Agenda da Criança”, saída em 2011 do Programa da EU para os Direitos da Criança, foi tida em conta nas alterações que vieram a ser realizadas em Portugal em 2015, na área do Tutelar Cível, na adoção e no Sistema de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens. Não obstante estas alterações, sentimos que são insuficientes, na medida em que enfermam no mesmo problema que tantas reformas estruturais que se tentaram fazer ao longo dos anos em Portugal: propõe uma alteração legislativa sem acautelar a sua materialização, não dotando os atores da reforma dos necessários instrumentos para a sua implementação. À semelhança da reforma na área da família e das crianças ocorrida na Alemanha nos últimos anos, torna-se urgente a existência de uma política pública por parte do Governo que vá além das alterações legislativas e que vise colocar o sistema, quer de Justiça, quer da Segurança Social, ao serviço das crianças e suas famílias. A APIPDF tem alertado nos últimos meses junto dos Grupos Parlamentares para a necessidade de uma formação única e nacional para todos os profissionais que lidam com estas matérias, para que o modelo proposto pelo RGPTC possa dar uma resposta célere à resolução dos conflitos parentais, tal como previsto na sua génese. É urgente que a reorganização e correspondente formação das equipas afetas ao Instituto da Segurança Social, bem como a formação de magistrados, e outras instituições intervenientes nesta matéria, nos permita caminhar no sentido de encontrarmos em conjunto soluções e que estas sejam integradas na coordenação das políticas da infância e juventude, de modo a que o Estado adote uma nova forma de atuar nesta matéria. Destacamos desta forma a necessidade de ser conferida à Comissão Nacional de Proteção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens a necessária relevância, prevista na legislação, na coordenação dessas políticas.

Posto isto, mais do que dar enfase a certos aspetos que decorrem do Programa da União Europeia de 2011, seja no que diz respeito à audição da criança, à justiça amiga da criança, à simplificação processual, entre outros aspetos, devemos antes ter em conta o espírito da Resolução 2079 (2015) do Conselho da Europa, que insta os seus Estados membros a adotarem nos seus ordenamentos jurídicos princípios básicos associados à coparentalidade e à manutenção de contatos regulares da criança com ambos os progenitores. Trata-se de uma visão de sociedade que queremos e que os nossos filhos exigem e à qual têm direito. A ratificação desta Resolução por parte do Estado Português é fundamental para a mudança de paradigma, em especial em relação aos profissionais que lidam com estas matérias e têm sobre si a responsabilidade de ajudar a criança e a sua família, introduzindo uma clara orientação quanto à reorganização da família da criança pós-dissociação conjugal.

De forma humilde, é o que esta conferência ao longo dos anos tem tentado alcançar: partilhar saberes e práticas, procurando ajudar os profissionais, mas também pais e mães, a saber colocarem-se em outros papéis que não os seus e procurar uma linguagem comum que permita encontrar soluções para os desafios que uma separação ou divórcio conjugal coloca, evitando cortes significativos nas diferentes relações do triângulo familiar.

Termino como sempre faço todos os anos: apelando aos profissionais, organizações aqui presentes, a pais e mães, que se transcendam para melhorar a vida das nossas crianças, na relação livre e verdadeira com ambos os progenitores. Enquanto existirem conflitos parentais que constituam, pela sua natureza, formas de violência para com os nossos filhos e filhas e suas famílias, não podemos aspirar a uma sociedade verdadeiramente pautada pelo mais básicos Direitos Humanos. Cabe-nos a todos nós, enquanto sociedade, quer individualmente, quer através das instituições para as quais trabalhamos, mudar o curso dos acontecimentos e reescrever a história. Estejamos à altura destes desafios e vamos mudar de uma vez por todas esta página negra da vida social do nosso país.

Obrigado.

Ricardo Simões
(Presidente da Direção da APIPDF)
31 Maio de 2016, Santarém

A ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PELA IGUALDADE PARENTAL E DIREITOS DOS FILHOS tem por fim as actividades de carácter cívico, cultural, formativo e informativo, no âmbito da protecção e fomento da igualdade parental, nos seus diferentes níveis de intervenção – legislativo, jurídico, psicológico, mobilização da opinião pública, entre outros -, relativamente aos direitos dos filhos (crianças e adolescentes) cujos pais se encontrem separados ou divorciados.