Como desmontar os argumentos contra a Residência Alternada? (I)
José Manuel Aguilar
Se, como advogado, psicólogo forense ou progenitor, pretende é a residência alternada, então irá enfrentar uma bateria de argumentos construídos para negar o direito dos filhos/as a desfrutar de ambos os progenitores. De nada serve que à décadas a Psicologia e, desde o princípio de 2013, o Supremo Tribunal de Espanha tenham repetido até à exaustão que é o melhor sistema e deve considerar-se, não a exceção, mas antes o sistema normal e, inclusive, desejável.
O sistema judicial espanhol (e por extensão o do Ocidente) é um sistema construído a partir de um modelo antagónico e consoante as tuas pretensões irão levantar-se outras contrárias. Se para outros assuntos poderíamos considerar que este é um bom modelo, duvido muito que se possa afirmar o mesmo quando se fala de crianças, visto sugerir que, quanto melhores armas levares melhor te irás sair, algo que em muitas ocasiões faz com que os progenitores confundam os seus filhos com objetos de arremesso. Ainda assim, até que não prevaleça o verdadeiro interesse pelos menores, mais do que pronunciamentos bem-intencionados, e se continuem a defender posturas de confronto que unicamente representam os seus respetivos interesses, vamos deixar aqui reunidos argumentos que temos elaborado nos últimos dez anos fruto da experiência e do estudo, para desmontar aqueles que a este sistema se opõem.
As crianças necessitam estabilidade
Este argumento procura sobrepor as “rotinas”, os lugares e pessoas “conhecidas” pela criança, à relação com o seu outro progenitor. Os que defendem este argumento afirmam que a criança “vai desestabilizar-se” por ter que viver em duas casas. O interessante é que jamais esclarecem o que é ou em que consiste essa suposta “desestabilização”. Insistem na “confusão” que isto vai trazer ao menor, afirmando que este efeito negativo desaparecerá mantendo a “estabilidade” que lhe dará uma só habitação. Isto é, no fim tudo, reduz-se a uma forma de “estabilidade geográfica”.
O primeiro aspeto que devemos deixar claro é que a vinculação se estabelece com as pessoas significativas, e não com as localizações geográficas. As crianças estão vinculadas aos seus pais, avós e/ou irmãos, e não ao seu quarto ou casa de banho.
Destacamos ainda o facto de a investigação científica mostrar claramente que isto é falso. No artigo “ ¿El cambio de domicilio afecta a los niños en custodia compartida? El mito de los niños maleta” [A mudança de domicílio afeta as crianças em residência alternada? O mito dos meninos mala] mostrámos que um estudo recente, com uma amostra de 164 580 estudantes suecos de idades compreendidas entre os 12 e 15 anos, com avaliação de diferentes indicadores de bem-estar, permitiu comparar as crianças que vivem em família intactas, em famílias divorciadas com residência única e em famílias divorciadas com residência alternada, utilizando 11 dimensões de saúde relacionadas com a qualidade de vida. Os resultados permitem concluir que o nível de bem-estar encontrado varia em função do sistema de residência escolhido depois do divórcio dos seus progenitores, de tal forma que as crianças com residência alternada pontuavam mais positivamente no bem-estar do que os que viviam a maioria do tempo com um dos seus progenitores. Este estudo, tal como outros anteriores, não encontrou maior risco para as crianças em residência alternada, tanto na sua saúde mental como no risco de vitimização. Por isso, os resultados da investigação científica desacreditariam os que defendem a postura de um maior risco de desestabilização das crianças com residência alternada, devido às mudanças de domicílios que enfrentam.
Confusão entre estabilidade e previsibilidade
Quanto à questão acima, é interessante juntar uma terceira reflexão em forma de pergunta: o que é que realmente necessitam as crianças depois de um divórcio? Na minha experiência, as crianças não necessitam tanto de estabilidade como de coerência e, especialmente, previsibilidade. Isto é, as crianças preferem sempre aquelas situações em que sabem o que esperar e, curiosamente, todos os que tiveram filhos/as comprovaram-no vendo-se na situação de ter que ler a mesma história ou verem-se obrigados a rever o mesmo filme até decorarem os diálogos. As crianças gostam de saber o que virá a seguir. Ajuda-as a aprender e a aprofundar com mais detalhe cada ocasião.
A fonte de estabilidade de uma criança é o adulto.
No dia-a-dia, não saber o que vai acontecer a seguir pode gerar na criança inquietude, especialmente se observar que isso gera inquietude no adulto. O adulto é o guia e o transmissor de segurança da criança, por isso deve ser o adulto a oferecer nas suas expressões emocionais e conduta sinais de estabilidade. Que o adulto se ajuste cedo à nova realidade depois do divórcio tem que ser um objetivo de primeira ordem. Na prática diária contemplamos como muitos pais e mães não aceitam completamente a nova situação familiar durante meses, inclusive anos, depois da rutura suceder. Nada mais pernicioso para as crianças.
A residência alternada como fonte de estabilidade para as crianças.
Tudo isto nos faz pensar que é legítimo argumentar que, se antes se encontravam presentes os dois progenitores, será mais contributivo para a tão recorrida “estabilidade” o facto de ambos continuarem presentes na sua vida diária. Se antes da rutura conjugal existiam dois progenitores na vida da criança, eliminar um deles é um cenário que rompe radicalmente com o mundo da criança. Portanto, a manutenção de ambos os progenitores deveria ser um objetivo primário, se queremos que o mundo da criança permaneça o mais parecido com aquele em que vivia antes da rutura da relação de casal. Como o fazemos deve ser o único tema de discussão.
Uma simples estratégia para oferecer estabilidade.
Se têm crianças muito pequenas e querem resolver este problema não é preciso mais do que comprar um calendário grande ou imprimir um calendário mensal no seu computador. Coloque-o no quarto da criança ou na cozinha e façam com que pintem de cor distinta todos os dias em que vão estar com o pai e os dias em que vão estar com a mãe. Cada vez que as crianças lhes perguntem quando voltarão a estar com vocês ou quando vão ver o outro progenitor, levem-nos à frente do calendário e mostrem-no. Contem os dias, tornando previsível e controlada a sua rotina e contribuirão de forma muito barata e simples para a sua saúde emocional. Em poucos dias o novo se fará rotina. Algo que ocorrerá ao longo das suas vidas numa infinidade de ocasiões.
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Based on a work at http://jmaguilar.com/blog/wordpress/como-desmontar-argumentos-contra-custodia-compartida-i/.
Tradução: Liliana Carvalho
Revisão e adaptação: Ricardo Simões
Coordenação: Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos
Maio de 2015