Em defesa da residência alternada e do superior interesse da criança – um contributo para a discussão

Ricardo Simões(Presidente da Direção da APIPDF – Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos)

Publicado a 3/12/2018 em: http://familiacomdireitos.pt/em-defesa-da-residencia-alternada-e-do-superior-interesse-da-crianca-um-contributo-para-a-discussao/?fbclid=IwAR0LICwpysreXJDJNFwy3MFQoC3KUsi3a5tQYOfj8-cpNj7mRo4_G4Fu0K4

Destaques
  • A Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães divorciados ou separados é uma reconquista do espaço da sociedade civil na definição de políticas públicas na área do Direito de Família e das Crianças.
  • A presunção jurídica da residência alternada é uma política pública.
  • A intervenção do Estado no garante do bem-estar das crianças, de uma maior igualdade de género e coesão social faz todo o sentido no atual contexto
  • A presunção jurídica não afasta a análise casuística e não é uma imposição, mas um ponto de partida.
  • A atual legislação promove a desigualdade nos cuidados à criança.
  • A presunção jurídica e os seus princípios normativos retira o elemento especulativo das decisões judiciais, reduz a discricionariedade, contribuindo para a diminuição dos conflitos parentais, dando garantias quantos aos resultados.
  • Ainda estão presentes estereótipos de género nas tomadas de decisão judiciais em processos tutelar cíveis.
  • A residência alternada contribuí para uma maior igualdade de género, com claros benefícios para homens, mulheres e crianças.-
  • A residência alternada é a melhor forma de garantir o superior interesse da criança.
  • Mais de 2/3 dos pais e mães com filhos entendem que o melhor para as crianças

na situação de separação conjugal a criança ter residência alternada.

20% dos pais e mães portugueses já têm os filhos/a em residência alternada.

  • A residência alternada promove o envolvimento parental igualitário e a redução do conflito parental.
  • A residência alternada, com as devidas adaptações, é adequada a crianças em qualquer idade.
  • A residência alternada não serve para se deixar de pagar pensão de alimentos.
  • A estabilidade da criança é garantida pelas interações num dado espaço, ao qual, através delas, a mesma dá significados.
  • As crianças em residência única fazem mais mudanças de residência, passam mais horas em transportes e fazem mais quilómetros que as em residência alternada.
  • A residência alternada não é aplicada em situações de violência doméstica e/ou abuso sexual de crianças.
  • Não há qualidade parental sem envolvimento parental no tempo.
  • O uso do conceito da figura primária de referência está não só ultrapassado como o seu uso nas decisões judiciais coloca em causa a saúde psicológica da criança.

Este texto pretende esclarecer algumas dúvidas que têm surgido nos últimos meses quanto à Petição em prol da presunção jurídica da residência alternada para crianças de pais e mães[1] divorciados ou separados. A parte introdutória tem como objetivo uma contextualização, seguida de respostas às dúvidas levantadas neste debate. Pretende-se, assim, ajudar à uma leitura mais alargada e fundamentada da temática, permitindo eliminar o ruído que em nada contribuí para uma sã discussão.De facto, muito se tem escrito sobre a temática, o que por si só é uma vitória da sociedade civil portuguesa, que demonstra uma vitalidade alinhada com a posição do Conselho da Europa. Tal como é questionado no livro “Uma família parental, duas casas”, “(…) será capaz o movimento de pais e mães em Portugal, face ao número significativo de conflitos parentais e à incapacidade do sistema judicial de lhes dar resposta, por via da imposição de um modelo parental de residência única, voltar a chamar a si a iniciativa propositora?” (Simões, 2017). A resposta está na iniciativa da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF), de 2018, e que foi subscrita por mais de 4 mil pessoas. A sociedade civil voltou a chamar a si a iniciativa propositora e colocou uma temática fundamental, a das crianças e suas famílias, na agenda política institucional, tal como aconteceu nos anos 90 do século passado, quando se procedeu à alteração do Código Civil em 1995 por proposta da sociedade civil.Esta iniciativa tenta transpor para o nosso ordenamento jurídico a Resolução do Conselho da Europa 2079 (2015) onde insta os Estados membros, no seu ponto 5.5., a “introduzir na sua legislação o princípio de residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou negligência, ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses”. O Conselho da Europa e os Estados que o compõem, Portugal incluído, reconhece assim, a necessidade de alterar os ordenamentos jurídicos na área do Direito das Famílias e das Crianças, no sentido da maior partilha não só de responsabilidades, mas também de uma maior partilha de tempo nos cuidados às crianças.Nesse sentido, a Petição assenta não só na introdução da presunção jurídica da residência alternada, mas também em outros elementos no ordenamento jurídico português: critérios orientadores normativos como forma de dar previsibilidade e estabilidade às decisões judiciais; planos parentais como instrumento central para a reorganização da vida da criança com os seus pais e mães; envolvimento parental igualitário como critério que melhor vai ao encontro do superior interesse da criança.O debate em Portugal, no entanto, assemelha-se ao que aconteceu e acontece em outros países ocidentais. Afinal, as práticas e dinâmicas familiares são muito semelhantes entre países, bem como as suas transformações, ao que não é alheio o facto de partilharmos o mesmo referencial civilizacional. Iniciativas que promovam a residência alternada, tais como as implementadas no Canadá (2014-2015), em Itália (onde o atual Governo tem no seu Programa a alteração legislativa no sentido desta presunção jurídica[2]), em alguns Estados dos EUA, como o Estado do Kentucky ou mesmo o debate tido algumas décadas atrás em França (Neyrand, 2005), foram sujeitas, antes da sua implementação, a argumentos semelhantes ao do corrente debate em Portugal. Pretende-se, assim, que o mesmo seja caraterizado pelo rigor e a elevação que merece, caso contrário, corremos o risco de transformar uma matéria que é fundamental para os nossos filhos e filhas, bem como para as próximas gerações, numa tentativa falhada de pacificar a comunidade e garantir a coesão social. Aliás, nunca existiu com os regimes tradicionais de residência única, no passado, um escrutínio académico e público tão grande como existe hoje com a residência alternada (Kelly J. B., 1991). No âmbito desse escrutínio, Edward Kruk (2018), afirma que existem 3 vagas de argumentos que se assumem como resistentes à ideia da residência alternada: uma primeira em que rejeita por completo o modelo; uma segunda, baseada em aprofundadas refutações (fase em que nos encontramos atualmente em Portugal); e uma terceira, em que se reconhece que a ideia tem mérito.Antes de avançar, também se torna necessário esclarecer que a iniciativa proposta é política e ideológica (ainda que sustentada no estado atual da investigação científica) e como tal implica por parte de quem decide a consciência de que não há posições neutrais. A abstenção sobre esta matéria significa de forma muito clara a manutenção do status quo vigente e a manutenção da desigualdade no cuidado parental pós-divórcio/separação.Comecemos pelo que é política pública e pela compreensão da necessidade de alteração legislativa no sentido da presunção jurídica, pois é onde se insere esta temática.


A atual sugestão de alteração do Código Civil para a introdução da presunção jurídica da residência alternada ou mesmo de um regime preferencial para crianças de pais e mães divorciados ou separados deve ser vista no âmbito de uma política pública. Mas o que é uma política

pública? A política pública não se resume a uma política de Estado ou de grupos da sociedade, mas envolve ações e decisões que caraterizam a mesma como uma política de todos. Constituí uma linha de orientação pública e ao mesmo tempo concretiza direitos constitucionais e legalmente previstos. Uma política pública pode, assim, ir ao encontro de uma necessidade social objetiva. A introdução no ordenamento jurídico português da presunção jurídica da residência alternada insere-se claramente nesse propósito. Pode-se também enquadrar esta matéria no âmbito das chamadas políticas públicas de terceira geração, onde surgem novos direitos, difusos, mas direcionados para e garantidos por todos. Garantir o

direito da criança a um convívio mais igualitário entre os ambos os pais e mães é um direito a ser garantido, de facto, por todos.


Agora cabe responder às críticas que são feitas a esta iniciativa, para que a discussão possa prosseguir sem o ruído que tem caraterizado estas discussões, pois afinal mexem com emoções de pais e mães e com atitudes enraizadas na sociedade portuguesa de resistência à mudança.


O que é residência alternada e porquê a sua necessidade em situações pós-divórcio/separação? O que significa a presunção legal da residência alternada?A residência alternada é uma “modalidade singular de coparentalidade após a dissociação conjugal caracterizada por uma divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos de residência, dos cuidados e da educação da criança, entre o pai e a mãe” (Marinho, 2011). Assim, assenta numa divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos, o que, na esmagadora maioria das situações, implica duas residências, e numa produção de um quotidiano familiar e social com a criança, onde efetivamente ambos exercem a parentalidade. A particularidade deste modelo é o que permite os resultados positivos nas crianças, que as investigações dos últimos 30 anos têm evidenciado de forma clara e consistente (Nielsen, 2018).


O estabelecimento de uma presunção jurídica da residência alternada, juntamente com os planos parentais e as orientações normativas propostas na Petição, é fundamental para garantir a segurança dos interesses e necessidades das crianças no período pós-divórcio/separação. À semelhança de outros países, elimina, assim, não só a desigualdade legal na atual legislação portuguesa, como reduz a discricionariedade judicial que tem pautado as decisões nas últimas décadas. Ao introduzir previsibilidade no sistema, através dos elementos anteriormente descritos, contribuí para a diminuição dos conflitos parentais, foco dos principais problemas com que as crianças se debatem nos pós-ivórcio/separação.Esta questão torna-se mais premente na medida em que existe desigualdade legal atual no exercício das responsabilidades parentais: “O modelo legal atual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que nunca viveram juntos, que se divorciaram ou se separaram, implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em atos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) e, como se não bastasse, o outro (progenitor não residente), quando esteja

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