É possível chegar a acordo sobre a guarda partilhada de bebés?
José Manuel Aguilar
Psicólogo
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Based on a work at http://jmaguilar.com/blog/wordpress/se-puede-acordar-la-custodia-compartida-en-bebes/.
Tradução do castelhano para o português : Tânia Carvalho
Revisão/adaptação no idioma português : Ricardo Simões
Coordenação da tradução e publicação: Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos
O debate que ressurgiu com a Sentença 317/2014 do Julgado de Primeira Instância de Sabadell, nº 8, de 21 de Julho de 2014, sobre a guarda partilhada de um lactante, ofereceu-nos a possibilidade de rever como se desenvolve o afeto das crianças nos primeiros anos de vida, com o objetivo de quebrar mitos e preconceitos muito enraizados em algumas autoridades judiciais. Os preconceitos suscitados sobre a possibilidade de decidir por um regime de guarda partilhada/residência alternada em bebés têm apresentado argumentos sobre o vínculo especial que estes desenvolvem com a sua mãe, algo que a Psicologia tem vindo a desmentir há mais de trinta anos.
O desenvolvimento do afeto ao longo da vida da criança
O afeto é o vínculo emocional que a criança desenvolve com quem cuida de si. Este vínculo garante-lhe a segurança emocional de que necessita para o seu desenvolvimento, através da acessibilidade e capacidade de resposta destas figuras às suas necessidades. O vínculo não é exclusivo, ou seja, não é apenas a uma figura e nem corresponde a um parentesco biológico, fundamenta-se apenas na resposta que se oferece à criança.
O estabelecimento do laço afetivo desenvolve-se em quatro etapas diferentes. Nos dois primeiros meses (etapa 1), os bebés aceitam os cuidados de qualquer figura de cuidador, utilizando o seu repertório comportamental inato – sorriso e choro – para comunicar com a mesma. Alguns autores chamaram a esta fase de pré-afeição (pré-apego), e nesta surge um reconhecimento rudimentar da voz das principais figuras de cuidador.
A fase de formação do afeto (etapa 2) medeia-se, aproximadamente, entre as seis e oito semanas e os oito meses. Nesta fase, a conduta do bebé – sorri, balbucia, segue com os olhos, etc. – dirige-se de uma forma mais frequente às principais figuras de cuidador do que ao resto das pessoas. Ainda não mostram ansiedade quando, por exemplo, são separados da mãe. Mostram-se zangados quando perdem o contacto humano, e não propriamente por serem os pais a deixá-los sozinhos.
Entre os seis e os oito meses até os dezoito-vinte e quatro meses desenvolve-se a fase do afeto propriamente dita (etapa 3). Os laços com as suas figuras de cuidador estabelecem-se com solidez, chegando a repelir familiares próximos, já que em muitas ocasiões apenas querem estar com as suas principais figuras.
A partir dos dezoito-vinte e quatro meses (etapa 4), a criança aprende que a ausência das suas principais figuras de cuidador não é definitiva e reduzem a sua ansiedade durante a sua ausência. Os cuidadores podem dizer quanto tempo vão demorar e o motivo, e a partir dos três anos aprendem a negociar as separações. Se tudo correr bem, o vínculo afetivo é sólido, já que não necessitará da procura do contacto físico constante para estar ciente de que, quando lhe fizer falta, a figura de cuidador estará disponível.
Existe uma capacidade superior de uma mulher criar um bebé?
É importante destacar que a investigação demonstrou que os pais são tão competentes para cuidar dos seus bebés e crianças pequenas quanto as mães (Lamb, 1997, 2002; Parke, 1996).
Ao contrário do preconceito generalizado, está documentado que a maioria dos recém-nascidos em famílias com dois progenitores não se apegam às mães primeiro, formam antes laços simultaneamente com ambos os progenitores na mesma idade, por volta dos seis a setes meses (Lamb, 2002), apesar de os pais passarem menos tempo com os seus filhos que as mães (Pleck y Masciadrelli, 2004). Isto indica que, apesar do nível limiar da interação ser crucial para os afetos, o tempo dedicado à interação não é a única dimensão crítica.
Finalmente, a preferência por cuidadores primários diminui com a idade e com frequência desaparece por volta dos 18 meses de idade (Lamb, 2002). Por exemplo, a investigação demonstrou que, ainda que o cuidador principal possa passar mais tempo com as crianças, os bebés também desenvolvem fortes vínculos com outros cuidadores consistentes – geralmente o pai – e que estes elementos adicionais desempenham um efeito positivo no seu crescimento psicológico (Lamb, 1997).
Fontes:
Lamb, M. E. (1997). The development of father-infant relationships. En M. E. Lamb (Ed.), The role of the father in child development (Third edition; pp. 104-120; 332-342). New York: Wiley.
Lamb, M. E. (2002). Infant-father attachments and their impact on child development. In C. S. Tamis-LeMonda; N. Cabrera (Eds.), Handbook of father involvement: Multidisciplinary perspectives (pp. 93-117). Mahwah, NJ: Erlbaum
Parke, R. (1996). Fatherhood. Cambridge, MA: Harvard University Press.
Pleck, J. H.,; Masciadrelli, B. (2004). Paternal involvement: Levels, sources, and consequences. In M. E. Lamb (Ed.), The role of the father in child development (Fourth edition, pp. 222-271). New York: Wiley
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