“A audição de criança ou do jovem constitui uma das manifestações ou concretizações desse superior interesse.
É sabido que, a partir de uma determinada idade (fixada normalmente nos doze anos) se atinge um período de desenvolvimento que faz a criança entrar na adolescência, depois de ter adquirido a nível biológico, psicológico e social um desenvolvimento e maturidade que a permitem compreender e actuar de acordo com o meio envolvente.
Numa situação de padrão normal, a criança, a partir dos doze anos, fala, anda, tem ideia do seu próprio ego, a noção do espaço e do tempo, conhece e coordena os seus hábitos e os seus conhecimentos familiares e saberes.
O legislador considerou ter a criança maturidade e desenvolvimento psíquico e moral para decidir ou fazer parte do processo de decisão de questões tão relevantes como a sua própria adopção, sobre a resolução de questões de particular importância que lhe digam respeito, sobre a intervenção de entidades externas à família na decisão de condução sobre a sua própria vida ou mesmo envolvendo uma intervenção tutelar educativa, decisões de elevadíssima importância para a vida da criança e para o seu futuro.
Sobre o direito de audição, o artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90) dispõe que os Estados Partes devem garantir à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade, sendo assegurada a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras do processo da legislação nacional[1].
Este direito à palavra e à participação pressupõe que, em assuntos como a guarda e residência em caso de separação parental, a criança deva ser ouvida e a sua opinião tida em conta na determinação do seu superior interesse[2].
Para concretizar este direito à palavra e à participação, o juiz deve providenciar em garantir a existência de condições que assegurem uma adequada audição da criança, designadamente evitando ambientes intimidatórios, hostis, insensíveis ou inapropriados para a idade da criança, os procedimentos sejam acessíveis e ajustados à condição de criança, ter presente a importância da existência de informação amiga da criança, o apoio para a representação por advogado, a intervenção de operadores judiciários com formação adequada, as características da sala em que é ouvida, a não utilização de traje profissional e a existência de sala de espera adequada.
A audição da criança deve ser transparente e informativa, voluntária, respeitosa, relevante, amiga da criança («child-friendly»), inclusiva, assente em formação adequada, segura e atenta aos riscos resultantes da participação, fundamentada e aberta à avaliação crítica por parte da criança (Committee on the Rights of the Child, General Comment No. 12, The Right of the Child to be Heard, CRC/C/GC/12, Genebra 20 de Julho de 2009).
[1] A concretização deste princípio consta, nomeadamente, dos artigos 1901.º, n.º 2, 1981.º, n.º 1, alínea a), 1984.º, alínea a), todos do Código Civil, 4.º, alínea i), 10.º, 58.º, alínea g), 84.º, 104.º, n.º 1, 107.º, n.º 1, alínea a), e 112.º, todos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, 45.º, n.º 2, alínea a), 47.º, n.º 1, 77.º, n.º 1, 96.º, 98.º, 101.º, n.º 2, alínea a), 104.º, n.os 1 e 2, alínea a), 131.º, n.º 2, e 171.º, n.º 3, alíneas j), e n), todos da Lei Tutelar Educativa.
[2] A prática judiciária de manter a criança afastada do litígio, a menos que a sua audição seja imprescindível, é claramente desconforme com as regras e princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, do Regulamento CE n.º 2201/2003 – suscitando inclusive problemas de reconhecimento das decisões junto de autoridades judiciárias estrangeiras – e de muitas disposições da lei ordinária; a regra processual tem que ser, pois, a da audição da criança, através da convocação para a conferência de pais, a audição em diligência judicial especialmente agendada ou por solicitação de audição a organismo de avaliação social ou psicológica (Helena Gomes de Melo et alii, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, Lisboa, Quid Juris Sociedade Editora, 2.ª edição, 2010, p. 38).”
Fonte: Excerto do seminário “O regime das Responsabilidades Parentais”, Direito da Família, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Docente: Professora Doutora Cláudia Trabuco, Oradora: Dra. Helena Gonçalves, Data do Seminário: 28/03/2011