MEDIDAS PREVENTIVAS DA DESLOCAÇÃO ILÍCITA DE CRIANÇAS
A mobilidade transnacional de pessoas, o aumento de casamentos e uniões entre pessoas de países diferentes, a abolição ou redução das restrições fronteiriças, os desequilíbrios económicos, entre outros motivos, trouxeram dificuldades e complexidades nas relações familiares que deixaram de estar circunscritas apenas à fronteira de um único país, obrigando ao recurso de mecanismos eficazes de cooperação judiciária internacional no âmbito do Direito Internacional da Família.
Portugal é um dos Estados Contratantes da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída na Haia em 25 de Outubro de 1980, cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Dezembro de 1983 (Decreto do Governo n.º 33/83, de 11 de Maio).
No âmbito da União Europeia, entrou igualmente em vigor em 1 de Agosto de 2004 o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro, sobre a competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental (conhecido como Regulamento Bruxelas II bis).
Ambos os instrumentos têm como objectivo procurar assegurar o regresso imediato de crianças deslocadas ou retiradas ilicitamente de um Estado Contratante ou de um Estado Membro, procurando fazer respeitar nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia (incluindo o direito de determinar a residência da criança) e de visitas que existam no Estado Contratante de residência habitual da criança, bem como procurar criar um efeito dissuasivo quando a criança seja retirada do Estado onde tenha a sua residência habitual com vista a evitar que os pais se sintam tentados a recorrer ao rapto parental para obter uma decisão que consideram mais favorável junto de um juiz da sua nacionalidade.
O rapto parental ocorre quando (artigos 3.º, 4.º e 5.º da Convenção da Haia de 1980):
a) Tenha havido uma deslocação de uma criança com menos de 16 anos[1], de um país onde tinha a sua residência habitual, para outro país;
b) A deslocação ou retenção da criança tenha sido efetuada com violação do direito de custódia atribuído pela lei do Estado onde a criança tinha a sua residência habitual;
c) O direito de custódia ter estado a ser exercido de maneira efetiva, individual ou em conjunto, no momento da deslocação ou retenção, ou devesse estar a ser exercido, se não se tivesse verificado a deslocação.
Na lei portuguesa, o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância é, em regra, exercido em conjunto por ambos os progenitores, mesmo perante uma situação de separação ou divórcio (artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil).
A fixação da residência da criança constitui uma questão de particular importância cuja determinação cabe a ambos os progenitores (artigo 1906.º, n.º 3 do mesmo Código).
Apesar dos efeitos dissuasivos emergentes da Convenção da Haia de 1980 e do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, a verdade é que existe ainda um conjunto significativo de países com quem Portugal mantém relações diplomáticas, comerciais e culturais efetivas que não são signatários daquela convenção[2] nem fazem parte do Espaço da União Europeia.
Contudo, a legislação nacional veio estabelecer um conjunto de medidas administrativas preventivas que não carecem da intervenção de um tribunal e que estão ao alcance de qualquer progenitor que pretenda acautelar ou prevenir uma situação de deslocação ilícita para o estrangeiro dos filhos menores de 16 anos por parte do outro progenitor, especialmente quando esteja ainda a decorrer judicialmente a regulação do exercício das responsabilidades parentais ou mesmo antes de esta ter sido instaurada.
Essas medidas são as seguintes:
1.ª – Oposição do progenitor à emissão de passaporte (OP)
Qualquer um dos progenitores pode formular um pedido de oposição junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), fundado na forte suspeita de que se encontra iminente uma deslocação ilícita da criança (artigo 21.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 138/2006, de 26 de Julho).
Este pedido é inserido e registado no sistema informático do Departamento de Imigração Registo e Difusão (DIRD) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
2.ª – Apreensão e cancelamento do passaporte
Consiste num pedido de apreensão e cancelamento do passaporte dirigido à entidade emitente, o qual pode ser subscrito por qualquer um dos progenitores (artigo 26.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 83/2000, de 11 de Maio)
3.ª – Alerta de Menor (AM)
Consiste num pedido de inserção na base de dados do SEF, efetuado por um dos progenitores, opondo-se à saída da criança do território nacional[3].
Caso a criança seja detetada no controlo fronteiriço aquando da tentativa de saída do Espaço Schengen, o progenitor será contactado pelo SEF por qualquer meio que tenha fornecido.
[1] Estes instrumentos internacionais não são aplicáveis a crianças com mais de 16 anos de idade (artigo 4.º da Convenção da Haia de 1980).
[2] Para obter uma lista (em língua inglesa) dos países signatários e das autoridades centrais da Convenção da Haia de 1980, pode ser consultado o seguinte link: http://www.hcch.net/index_en.php?act=conventions.authorities&cid=24
[3] Para manifestar essa oposição, o contacto deve ser feito por email (DCID.UCIPD@sef.pt) ou por telefone através dos números 808 202 653 (rede fixa) / 808 962 690 (rede móvel). Em casos urgentes, e fora do horário de expediente, a comunicação deve ser feita para os postos de fronteira.