A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA ALIENAÇÃO PARENTAL: A PERSONALIDADE NARCÍSICA EM DIVÓRCIOS COM ELEVADA CONFLITUALIDADE
por Craig A. Childress (2016)
Tradução: Carla Nunes
Revisão/adaptação ao idioma português: Ricardo Simões e Patrícia Mendes
Coordenação da tradução e publicação: Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos
Baseado no trabalho disponível em http://www.drcachildress.org/asp/admin/getFile.asp?RID=122&TID=6&FN=pdf
A violência doméstica ocorre num contexto mais lato de poder, controlo e dominação e estas características interpessoais de poder, controlo e dominação são traços de personalidade com perturbação narcísica, do progenitor «alienador», que ganham relevância no processo de «alienação parental». A patologia comummente designada por «alienação parental» implica a expressão dos traços narcísicos do progenitor «alienador» e representa uma variante da violência doméstica. Em vez de usar o punho para bater na vítima, o/a abusador/a, na «alienação parental», usa a <em>criança</em>; em vez de usar violência física, o/a abusador/a usa a violência emocional. Na «alienação parental», o abusador explora o amor do outro progenitor pela criança como forma de infligir-lhe sofrimento emocional e psicológico profundo. A «alienação parental», enquanto patologia, é uma forma de violência doméstica.
O PROCESSO PSICOLÓGICO DO ALIENADOR PARENTAL NARCÍSICO
“Como é que te atreves a deixar-me (insulto narcísico). Como é que te atreves a não ver como sou maravilhoso/a (grandeza narcísica). Vais arrepender-te (raiva e vingança narcísicas). Vou fazer-te sofrer por rejeitares-me usando aquilo que mais amas no mundo, o amor pelos teus filhos”.
“Não vou ser o/a cônjuge abandonado/a (medo primário de abandono e rejeição), tu vais ser abandonado/a (projeção do medo do abandono no outro progenitor), vais ser a pessoa/progenitor rejeitada/o”.
Vais ser abandonado/a e rejeitado/a pelos teus próprios filhos – vais sofrer por te divorciares de mim (raiva e vingança narcísicas). Mas eu nunca vou ser abandonado/a, porque sou a mãe/pai/pessoa ideal (grandeza narcísica).
As crianças pertencem-me. São minhas (objetos narcísicos). Divorciaste-te de mim, portanto ficas sem nada”
Vais arrepender-te por me deixares. Vais sofrer. E mereces sofrer (vingança narcísica) porque não viste como sou maravilhoso/a (grandeza narcísica)”.
A completa ausência de empatia do «alienador»/progenitor narcísico pelo sofrimento do progenitor-rejeitado e pelo amor que a criança lhe dedica (a falta de empatia é um traço-chave do narcisismo – Critério 7 do DSM[1]) permite ao progenitor narcísico usar a criança (manipular e explorar a criança; exploração das outras pessoas é outro traço-chave do narcisismo – Critério 6 do DSM) como uma arma para atingir emocionalmente o cônjuge-vítima de forma muito brutal, matando (do ponto de vista metafórico) o amor existente entre aquele e a criança. Esta é a forma de violência psicológica mais terrível: retirar o amor da criança ao progenitor, matar psicologicamente aquela criança como forma de vingança pelo insulto narcísico do divórcio é uma barbaridade de primeira ordem. Antes do divórcio, o outro progenitor tinha uma criança amada, mas após o divórcio o narcísico mata o amor da criança pelo outro progenitor, mata a relação da criança com o outro progenitor como forma de infligir sofrimento grave e duradouro ao cônjuge por ter tido a audácia de se divorciar, por lhe ter feito a afronta de se divorciar, rejeitando assim o cônjuge narcísico.
O que é terrivelmente doloroso: o cônjuge narcísico leva a cabo o «assassínio» da relação da criança com o outro usando a própria criança, por ele amada, como arma, induzindo-a e manipulando-a para rejeitar esse amor. A má-vontade do progenitor narcísico manipula psicologicamente a criança para que esta mate a relação com o outro progenitor. Ao fazer isto, o progenitor narcísico exprime o universo da violência doméstica através de poder, controlo e dominação (parental) sobre a criança a fim de espoletar a rejeição e o abandono do outro progenitor, que se vê transformado em vítima de violência doméstica brutal.
O cônjuge narcísico não sente empatia pelo sofrimento do outro, antes revela uma satisfação perversa ao infligir-lhe intenso sofrimento emocional, porque, segundo o narcísico, ele/ela «merece» ser rejeitado pelo seu suposto «falhanço parental». Enquanto a justificação superficial para a rejeição desse progenitor é a de que ele não soube ser um/a pai/mãe capaz para a criança, o que está verdadeiramente subjacente é que o outro falhou como cônjuge; não apreciou devidamente a grandeza do narcísico durante o casamento, falhou na sua obrigação de alimentar constantemente, através da atenção, o narcisismo daquele e, pior que tudo, rejeitou o narcísico, pondo assim em evidência os traços relevantes da sua patologia. Com efeito, a rejeição é a ofensa mais básica que leva um narcísico a uma resposta de retaliação e vingança no âmbito de violência doméstica.
Assim, o cônjuge narcísico procura vingar-se do outro devido à rejeição a que foi sujeito/a; no entanto, não pode fazê-lo diretamente devido ao divórcio e consequente separação física, pelo que também não é lhe possível agredir verbalmente e humilhar o outro. Neste contexto, a única arma disponível para lhe dar carga emocional é a criança, porque ambos a partilham e a criança tem acesso ao outro progenitor. Este ama e valoriza a criança, pelo que retirar-lha constitui uma forma de o fazer sofrer e de retaliar por causa do divórcio − a criança torna-se então a arma substituta da vingança do progenitor narcísico. A patologia familiar da «alienação parental» representa uma forma de violência doméstica que envolve a panóplia emocional da violência doméstica, por parte do cônjuge narcísico, usando a criança como arma.
O que é mais relevante no processo é que o progenitor narcísico não sente empatia pela criança. Aliás, a empatia é um traço ausente nos narcísicos (indicador de diagnóstico 7 do DSM); a sua total ausência é a característica-chave que leva o narcísico a manipular a criança e explorá-la como arma de vingança e retaliação. Assim, o progenitor narcísico não admite que a criança ame o outro progenitor, porque não tem empatia pela criança nem consideração pelo stress que lhe causa ao colocá-la no meio do conflito parental. Da mesma forma, não tem qualquer empatia pelos danos que causa à relação da criança com o outro progenitor quando lhe incute a rejeição hostil daquele. Na mente do cônjuge narcísico, o outro «merece» sofrer porque não foi um cônjuge capaz e rejeitou o narcísico. A criança é um objeto, um objeto narcísico, um meio para atingir um fim, um meio para infligir sofrimento no outro por ter ousado o divórcio, insultuoso para o narcísico.
Poder, controlo e dominação são as características centrais da violência doméstica, e todas são traços distintivos do processo de «alienação parental». Deste modo, no âmbito da patologia da «alienação parental», o progenitor narcísico usa poder e controlo sobre a criança como arma para infligir no outro cônjuge violência muito mais brutal do que a violência física; trata-se de um sofrimento <em>duradouro</em> e irrevogável, provocado ao outro enquanto progenitor, através de uma criança que por ele é amada. Em suma, a patologia familiar da «alienação parental» é uma variante psicológica/emocional de violência doméstica, imposta à vítima através da brutalidade que o narcisismo abusivo do progenitor «alienador» representa.
Referências: Childress, C.A. (2015). An attachment-based model of parental-alienation: Foundations. Claremont, CA: Oaksong Press.
[1] Manual Diagnóstico e Estatístico de Perturbações Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders DSM)